Universidades são incapazes de impedir acumulação de vencimentos, avisa Tribunal de Contas

Relatório do Tribunal de Contas afirma que as instituições de ensino superior continuam a não ser capazes de garantir o cumprimento do regime de exclusividade dos professores. Problema persiste há uma década e exige alterações legais.

“Há pelo menos dez anos” que o Tribunal de Contas (TdC) tem vindo a detectar casos de violação do regime de dedicação exclusiva a que estão vinculados cerca de metade dos professores do ensino superior. Apesar das chamadas de atenção, o problema persiste, conclui aquele organismo num relatório publicado esta quarta-feira. A lei precisa de ser clarificada e as instituições precisam de ser mais activas, defendem os juízes.

Os estatutos de carreira dos docentes prevêem um regime de dedicação exclusiva. Nesse caso, os professores recebem mais um terço do vencimento do que os colegas que estão em regime de tempo integral, mas estão impedidos de ter outros rendimentos, ainda que a lei estabeleça excepções.

A maioria das universidades e politécnicos tem sistemas de controlo do regime de dedicação exclusiva, mas “foram poucas as instituições que, com sistemas de controlo eficazes, asseguraram o pleno cumprimento” deste regime, aponta o TdC, no relatório publicado esta quarta-feira.

A maioria das instituições evidencia mesmo “insuficiências e deficiências”. Há casos onde nem todos os docentes entregaram a declaração de rendimentos e não foi feita “qualquer diligência no sentido da sua obtenção”. Noutro exemplo, as declarações entregues pelos professores não foram analisados pelos serviços da faculdade.

Este relatório do TdC não incide em específico sobre nenhuma instituição de ensino. É antes apresentado como uma “panorâmica”, levando em consideração as conclusões de 18 relatórios de auditoria aprovados desde 2011 – dez dos quais dizem respeito a universidades ou politécnicos e os restantes a faculdades ou escolas.

Apesar de reconhecer que as recomendações feitas têm sido acolhidas pelas instituições auditadas, o TdC lamenta que a sua acção não tenha “o impacto disseminador que era expectável” junto das restantes universidades e politécnicos. Além disso, continuam a chegar ao tribunal “denúncias sobre situações de violação do regime”.

A ineficácia dos sistemas de controlo do regime de dedicação exclusiva “é lesiva para os dinheiros públicos”, não só por impedir sejam recebidas remunerações indevidas, mas também por ser incapaz de assegurar a sua reposição, pena a que estão sujeitos os professores abrangidos por este regime no caso de a acumulação de rendimentos ser considerada irregular.

Em 2018/19, mais de metade (52,5%) dos docentes do ensino superior estavam em regime de dedicação exclusiva. Eram cerca de 14 mil. Nas universidades, a percentagem de professores nestas condições (54,9%) é superior à dos politécnicos (48,3%).

Aderir a este regime implica renunciar a qualquer outra função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de uma profissão liberal. A lei também estabelece excepções, como por exemplo os rendimentos provenientes de direitos de autor, realização de conferências ou palestras, elaboração de estudos ou pareceres pedidos por entidades oficiais nacionais ou europeias, mas também dar aulas noutra instituição de ensino superior, desde que não exceda as quatro horas semanais. O tribunal sublinha que, ao longo deste período, foram remunerados docentes por diversas actividades em violação do regime de dedicação exclusiva, fazendo trabalhos de colaboração técnica especializada ou consultoria e assessoria.

O sistema de controlo deste regime “necessita aperfeiçoamento”, conclui o TdC, desde logo a nível legal. As normas em vigor “carecem de actualização”. Por exemplo, a lei ainda prevê que a prova dos rendimentos auferidos através de declaração do imposto complementar, que já foi abolido há cerca de 30 anos.

O relatório termina com duas recomendações. A primeira é dirigida ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a quem é pedido que garante a introdução na lei das “melhorias necessárias para colmatar as insuficiências e fragilidades identificadas no regime de dedicação exclusiva”. A outra tem como destinatárias as instituições de ensino superior, a quem é pedido que façam um “controlo sistemático do regime de dedicação exclusiva”.

Samuel Silva | 18 de Junho de 2020 Público