Função Pública reforçada com uma entrada por cada saída

O Programa de Estabilização Económica e Social regressa à regra “1 para 1” no reforço da Administração Pública, como já não acontecia há mais de uma década. Esta segunda-feira, há reunião com os sindicatos numa altura em que os aumentos para 2021 estão em risco.

A directiva “2 por 1”, que prevê a entrada de apenas um funcionário público por cada dois que se saiam, existe desde o início do século XXI, dos anos do governo de António Guterres, ganhou nova força em vésperas da chegada da troika a Portugal, com José Sócrates ao leme do país, e foi uma bandeira das reformas estruturais negociadas no pedido de ajuda implementado por Pedro Passos Coelho. O Governo de António Costa elimina-a, agora, no Programa de Estabilização Económica Social (PESS), pela regra de “1 para 1” no âmbito do reforço da capacidade de resposta da Administração Pública à pandemia de covid-19.

O executivo já tinha vindo a dar sinais de que a regra “2 por 1” tinha os dias contados, desde logo no Orçamento do Estado para 2018, quando surgiu um rácio que previa que por cada três funcionários de saída podem ser contratados dois, depois da sinalização feita no Programa de Estabilidade de Abril de 2017. Há um ano, o Governo assumiu que essa directiva deveria ser mesmo eliminada e, poucos meses depois, anunciou a contratação de mil funcionários públicos, quadros técnicos especializados, para concretizar a sua política de reforço da função pública.

Agora, no PEES torna mais claro o seu propósito. No capítulo dedicado à Capacitação da Administração Pública, o documento prevê “reforçar e rejuvenescer os quadros da Administração Pública”, através do “recrutamento centralizado de técnicos superiores, de acordo com um plano de entradas e saídas na Administração Pública baseado na regra ‘1 para 1’, tendo em conta a previsão de aposentações”.

Para Helena Rodrigues, do presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), este propósito assumido pelo Governo no documento que deverá guiar as suas políticas até ao final desde ano “já não é mau”. “Nunca houve em 11 anos esta referência ‘1 para 1’. No mínimo, permite repor algum do défice de trabalhadores tendo em conta os poucos que estão”, acrescentou, sublinhando que “os processos de contratação têm sido lentos”, numa referência ao processo de contratação dos 1000 funcionários públicos que “ainda decorre, enquanto a Administração Pública se vai degradando”.

Para a líder de um dos sindicatos que irá reunir-se, esta segunda-feira, com o Governo precisamente sobre as medidas previstas neste PEES, a “e notamos essa degradação, por exemplo, na resposta da Segurança Social às empresas e trabalhadores abrangidos pelas medidas de combate aos efeitos da pandemia”.

Apesar da regra “2 por 1” ter estado em vigor, na prática a evolução do total de funcionários públicos praticamente nunca a concretizou. Segundo contas publicadas pelo Expresso, durante os anos do pedido de ajuda externo, o número de funcionários diminuiu de 727 mil em 2011 para quase 650 mil, três anos depois. Mas mesmo nessa evolução, o rácio foi de 1,6, longe dos “2 por 1”. Desde então, a função pública tem vindo sempre a crescer, tendo chegado no final do ano passado aos 685.522 postos de trabalho e o rácio aproximou-se muito daquela que passará agora a ser a regra “1 para 1”.

Aumentos em risco

Esta segunda-feira, o Governo reúne-se com as três estruturas sindicais da Administração Pública para discutir o PEES, em vésperas da aprovação do Orçamento Suplementar em Conselho de Ministros. Mas o tema incontornável deverá ser os aumentos dos salários em 2021, cujo compromisso do Governo no Orçamento do Estado deste ano passava por um valor de, no mínimo, 1% no próximo ano.

Agora, com a economia a sofrer a maior quebra do Produto Interno Bruto desde que há registos, o executivo já veio sinalizar, por duas vezes que esse compromisso está em risco. Alexandra Leitão, ministra da tutela, avisou que "não posso garantir que vou conseguir cumprir" esse compromisso, e Mário Centeno, ministro das Finanças, avisou quetemos de ser muito racionais na utilização do dinheiro do Estado e compará-lo com o resto da economia”. Para Helena Rodrigues, um eventual reforço mais ambicioso dos quadros do Estado não compensa um possível recuo nos aumentos acordados, pelo contrário, é “estar a tratar o cão com o pelo do cão. Os trabalhadores vão continuar a empobrecer. Se o Governo tem apenas essa perspectiva, estamos mal. Temos de pensar como vamos sair disto”.

No PEES há outras medidas destinadas à Administração Pública, que recuperam iniciativas que já estão em curso e, nalgumas situações, atrasadas. É o caso da integração dos precários do Estado, que no documento é referido no âmbito do combate à precariedade. Mas também há a referência ao “programa de estágios para jovens desempregados ou à procura do primeiro emprego na Administração central e local” com um “foco em habilitações superiores, duração máxima de nove meses, admissibilidade de modalidade a tempo parcial para permitir acumulação com formação, bolsa de estágio correspondente e futura majoração/pontuação em procedimento de recrutamento”.

E também, uma iniciativa conjunta do INA com instituições de ensino superior com vista a qualificar 500 funcionários ainda este ano e cinco mil nos três anos seguintes.

Outra das medidas previstas no PEES – e que já tinha sido anunciada pela ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão – passa por, até ao final da legislatura, ter “em teletrabalho pelo menos 25 % dos trabalhadores de entre o universo daqueles que exercem funções compatíveis com esta modalidade de trabalho”.

Pedro Ferreira Esteves - 8 de Junho de 2020, Público