Autoridades dizem que pais podem recusar teletrabalho

Trabalhadores de um call center recusaram passar do apoio aos pais para teletrabalho, alegando que é impossível trabalhar com as crianças em casa. CITE e a ACT vieram dar-lhes razão. Governo contraria entidades que tutela e não garante apoio a estas famílias.

A mensagem que passou com base nos diplomas mais recentes era simples: quem está em teletrabalho não tem direito ao apoio extraordinário à família – que paga 66% do salário base com o valor mínimo de 635 euros – e quem decide quem fica em teletrabalho é, à partida, o empregador. Mas pode não ser assim tão simples. Um conjunto de trabalhadores de um call center alegou que não tinha condições para trabalhar em casa e a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) deram-lhes razão.

Fátima Messias, da CGTP, explica que a questão se tem colocado em diversas empresas de call center, que têm “muitos trabalhadores jovens, na sua maioria mulheres e com filhos pequenos”. E defende que o teletrabalho não se pode impor “ao direito e ao dever” de acompanhar filhos menores. “Da mesma forma que essas trabalhadoras não podiam levar os filhos pequenos para o local de trabalho porque não podiam trabalhar e cuidar deles, em casa sucede o mesmo: não conseguem estar a atender chamadas em permanência e a cuidar de uma criança de dois anos e da outra com seis anos em telescola”, ilustra.

No caso da Randstad, segundo descreve Manuel Gonçalves, do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Telecomunicações (SINTTAV), houve sete trabalhadores que estiveram ao abrigo do apoio de assistência à família desde o início da pandemia até 30 de abril, um apoio baixo mas que protege o valor do salário mínimo e “ajudava a que as mães pudessem cuidar dos filhos”. Porém, “a partir de 30 de abril, a Randstad tem insistido com as trabalhadoras que devem passar para a situação de teletrabalho”, o que nalguns casos não terá sido acatado. Os pareceres solicitados pelo SINTTAV à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e à ACT de Castelo Branco vêm agora dar fortes argumentos aos trabalhadores que recusaram teletrabalho.

“É entendimento da CITE que a possibilidade de qualquer trabalhador executar as suas funções em regime de teletrabalho nunca pode colidir com a imprescindível assistência e cuidados que os seus filhos carecem, sob pena de colocar a integridade física e psicológica das crianças em perigo, o que constitui crime, facto que o empregador deve estar ciente”, explicou esta entidade tripartida, em meados de abril, numa resposta que não se refere ao direito ao apoio.

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de Castelo Branco veio reforçar a posição destes trabalhadores. “Enquanto se mantiver a vigência” do diploma que garante o apoio extraordinário “um dos progenitores deverá beneficiar de tal apoio, não estando legalmente obrigado à prestação de trabalho, nomeadamente de teletrabalho”. A resposta é de 11 de maio e desde então a lei não foi alterada.

Empresa não garante salário, Governo não garante apoio

No caso que tem sido seguido pelo SINTTAV, que não será caso único, os trabalhadores mantiveram-se em casa, recusando o teletrabalho, mas agora não sabem se vão receber apoio, salário ou nenhum dos dois.

Questionada, a Randstad responde que tentou fazer um reajustamento de horários e que, quando não foi possível, teve como objetivo “preservar o emprego”. No caso das pessoas “que estão encurraladas neste enquadramento jurídico consideramos as faltas justificadas apesar de não termos a capacidade de suportar o ordenado, pois estas pessoas vão ter de ser substituídas temporariamente por outras”, responde fonte oficial da Randstad. Dos 11 mil trabalhadores da empresa, 7 mil estão em teletrabalho, 766 estão no local de trabalho e 41 estão a beneficiar do “subsídio para assistência”.

O apoio, por sua vez, também não é garantido pelo Governo, que numa resposta enviada ao início da noite contraria as entidades que tutela. “A adoção do regime de teletrabalho tornou-se obrigatória, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam”, diz fonte oficial, sublinhando que cabe ao empregador “aferir casuisticamente” quem faz teletrabalho.

Para quem tem miúdos nas creches ou pré-escolar, o apoio vai manter-se até final de maio. No caso de crianças no básico mantém-se até ao final do ano letivo.
Quais são os argumentos a favor dos pais?

Pôr em perigo a integridade física e psicológica das crianças “é crime”, lembra a CITE, que também defende que na avaliação sobre quem deve fazer teletrabalho não devem pesar apenas as funções e condições, mas “muitos outros aspetos”, como a existência de um espaço adequado em casa, de privacidade e a certeza de que há condições para garantir a segurança dos filhos menores de 12 anos.

“A inobservância destes fatores por parte do empregador é suscetível de configurar violação” do direito à integridade física e moral e de constituir “prática discriminatória”, alega.

Na avaliação de quem pode ou não prestar teletrabalho, não devem pesar apenas as funções (...) mas muitos outros aspetos. CITE

16 DE ABRIL 

Um dos progenitores deverá beneficiar de tal apoio, não estando, legalmente obrigado à prestação de trabalho. ACT

Catarina Almeida Pereira  18 de maio de 2020  Negócios