Faculdades antecipam redução de alunos estrangeiros

Perda de rendimentos, receio da doença e fecho de fronteiras deverão refletir-se numa diminuição global da mobilidade de estudantes

Num mundo que vive mais do que nunca em estado de incerteza sobre como será o dia de amanhã, é difícil prever o impacto que a pandemia do novo coronavírus terá na vida das diferentes faculdades no próximo ano letivo, além da adaptação forçada e feita em tempo recorde que já tiveram de fazer este semestre e que passou a ser lecionado exclusivamente à distância. Para os responsáveis das universidades de Lisboa, Porto e Nova ouvidos pelo Expresso a redução do número de alunos estrangeiros é expectável. Mas a avaliação da dimensão do impacto da crise varia.

Com quase 9 mil estrangeiros a estudar na Universidade de Lisboa, o reitor António Cruz Serra teme que a perda de receitas no próximo ano seja “muito significativa”. Tudo vai depender da evolução da pandemia e do aparecimento ou não de novos surtos e em que países.

“Dificilmente haverá a tradicional mobilidade de Erasmus. E os alunos que vêm tirar um curso [que são a maioria e são quem gera receita para as instituições], vão esperar para ver se voltam ou se se candidatam”, acredita. “Por mais que se esteja a garantir o ensino à distância, a experiência no campus é insubstituível”, lembra, acrescentando que, por causa das medidas de confinamento em vigor até aqui, são já várias as receitas próprias que a sua instituição está a perder, com o encerramento do Estádio Universitário ou dos dois jardins botânicos.

PORTUGAL GANHA VANTAGEM

O número de estudantes estrangeiros que escolhem Portugal para tirar parte ou a totalidade do curso tem vindo sempre a aumentar nos últimos anos. No primeiro semestre deste ano letivo aproximava-se dos 60 mil e mais de um terço são originários do Brasil. Mas este é um dos países que tem sido severamente afetado pela covid-19, com o real brasileiro já a desvalorizar, dificultando a capacidade das famílias em assumir os custos de estudar no estrangeiro, lembra, por seu turno, o vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Amaro de Matos.

Mas o vice-reitor com a área do desenvolvimento internacional assume uma expectativa mais otimista e acredita que, no final desta crise, as instituições portuguesas podem até ver as suas vantagens competitivas atuais — qualidade a baixo preço, clima, segurança — reforçadas por outros fatores. “A forma como o país conseguiu superar este primeiro surto, comparando com Itália, Espanha ou o Reino Unido, pode dar mais confiança aos alunos na hora de fazer as suas opções”, aponta. Depois há circunstâncias internacionais que também funcionam a favor da Europa continental, como a política anti-imigração de Donald Trump e a saída do Reino Unido da União Europeia. Além de que a perda de poder aquisitivo das famílias pode levar à escolha de países com propinas mais baixas, como é o caso de Portugal.
Amaro de Matos garante ainda que há áreas de estudo que não sofreram quebra nas candidaturas para o próximo ano letivo e que mesmo que o primeiro semestre tenha de ser dado à distância, há sempre a expectativa de um regresso à normalidade e de a deslocação voltar a ser possível. “Os alunos não vão deixar de estudar”, lembra.

Na Universidade do Porto, frequentada por cerca de seis mil estudantes internacionais, foi feito um inquérito já em tempos de pandemia para saber qual tinha sido a opção dos alunos que estavam a tirar um curso completo na instituição. Foram enviados mais de três mil questionários e metade dos estudantes responderam. Desses, três em cada quatro disseram ter continuado em Portugal e a esmagadora maioria (95%) estava a conseguir acompanhar as aulas à distância, conta a vice-reitora Maria de Lurdes Correia Fernandes.

A responsável acredita que a crise vivida vai ter vários efeitos no ensino superior, incluindo uma “quebra significativa na procura por parte dos alunos estrangeiros”, seja por receio seja pela vontade de se manterem próximos da família. Mas não só. A oferta também deverá mudar e passará por mais formações online, com a “mobilidade a ser mais virtual e menos física”. E também por períodos de tempo mais curtos, antecipa a vice-reitora.

17.05.2020  Expresso - ISABEL LEIRIA