CNPD fala em "disparate jurídico" na lei que permite medir temperatura dos trabalhadores

Em entrevista à Renascença, Filipa Calvão, presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, diz que já receberam queixas de dezenas de trabalhadores e organizações sindicais.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) considera que a alteração da lei que permite agora às empresas medir a temperatura dos funcionários é uma "infelicidade" e um "disparate jurídico" e garante que vai analisar as dezenas de queixas que já recebeu de trabalhadores.

A CNPD já tinha alertado para os direitos dos trabalhadores nesta matéria, mas no passado sábado, dia 2 de maio, foi publicado em Diário da República um decreto-lei que passa a permitir às empresas controlar a temperatura dos trabalhadores e impedir a entrada daqueles que registem "temperaturas superiores ao normal". O registo das temperaturas pela empresa, porém, fica "expressamente proibido".

Em entrevista à Renascença, Filipa Calvão, presidente da CNPD, diz que a norma é "uma infelicidade" e que está "desprovida de qualquer proteção dos trabalhadores".

"Primeiro, parece incorrer aqui numa confusão ao distinguir a leitura da temperatura dos trabalhadores do registo. A simples leitura já é um tratamento de dados pessoais. Mais: a norma a seguir, ao admitir que se faça o registo com o consentimento do trabalhador comete outro disparate jurídico porque está a remeter para consentimento dos trabalhadores uma decisão limitativa dos seus direitos, mas sem garantir que haja liberdade de consentimento", explica.

E questiona: "Finalmente, temos um problema – que é, porventura, o problema essencial – que é o de não estar definido o que é que acontece ao trabalhador. Prevê-se o poder de a entidade empregadora impedir a entrada do trabalhador no seu estabelecimento e depois? O trabalhador faz o quê? Vai para casa de transporte público?".

Filipa Calvão adianta ainda que a CNPD "claramente" não foi ouvida pelo Governo nesta matéria e vai analisar as "dezenas" de queixas que já recebeu de trabalhadores e organizações sindicais.

05.05.2020 por Jornal de Negócios