Doentes crónicos têm falta justificada ao trabalho. Mas é paga?

O Governo criou um regime excecional de proteção para os trabalhadores com doenças crónicas ou imunodeprimidos que não possam exercer a sua função à distância. Problema: esqueceu-se de definir se a falta é paga e por quem.

O ministro da Economia e a ministra do Trabalho têm uma longa lista de dúvidas legais para esclarecer.

Os doentes crónicos, que não possam exercer a sua função à distância, vão poder faltar ao trabalho bastando para isso que apresentem uma declaração médica comprovando a sua situação clínica. A norma consta do diploma publicado no dia 1 de maio e vem reforçar a proteção destas pessoas que, até agora, não dispunham de nenhum regime de proteção adicional, restando-lhe a baixa médica, de justificação duvidosa e que implica redução salarial.

No entanto, o diploma publicado na sexta-feira passada é omisso sobre a questão central: esta falta justificada garante ou não a remuneração do trabalhador? E garantindo, quem a paga? A Segurança Social ou a empresa? O Negócios procurou desde domingo uma resposta junto do Ministério do Trabalho sem sucesso e os advogados garantem que a lei não é conclusiva.

De acordo com o decreto-lei n.º 20/2020, que altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença covid-19, estas pessoas “podem justificar a falta ao trabalho mediante declaração médica, desde que não possam desempenhar a sua atividade em regime de teletrabalho ou através de outras formas de prestação de atividade”. Estão abrangidos por este “regime excecional de proteção” “os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, designadamente os hipertensos, os diabéticos, os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica, os doentes oncológicos e os portadores de insuficiência renal”.

Um diploma inconclusivo

Da consulta a três advogados da área laboral – Inês Arruda, Pedro da Quitéria Faria e Nuno Freitas Morgado –, todos concordam que o decreto-lei é inconclusivo e que carece de esclarecimentos adicionais da Segurança Social que, provavelmente, serão publicados sob a forma de FAQ (do inglês Frequently Asked Questions), uma prática invulgar que se generalizou com a pandemia.

Perante a omissão do legislador, haveria três possibilidades segundo os advogados: a ausência do trabalhador entrar no regime normal de baixas, recebendo este um subsídio de doença da Segurança Social; ser equiparado à situação de isolamento profilático e receber até um valor superior ao da baixa; ou ser a empresa a pagar, possivelmente com um prazo máximo de 30 dias.

“Se estivermos a falar de um atestado médico, isso implicaria uma perda de remuneração, o que não me parece ser o espírito do legislador”, afirma Pedro da Quitéria Faria, da Antas da Cunha Ecija e Associados. Por outro lado, dado que a declaração médica atesta que a pessoa precisa de uma proteção adicional, prossegue, faz mais sentido que haja uma proteção específica como a que o Governo criou para o isolamento profilático, argumenta. O que não parece razoável, na opinião de Pedro da Quitéria Faria, é que seja a empresa a suportar.

O problema é que a razão – a epidemia – também não é imputável ao trabalhador, sublinha Nuno Ferreira Morgado. “A intenção do Governo deve ser equiparar a um sistema de baixa ou de quarentena, mas a lei não é clara. O problema é que se não houver um regime específico de proteção social, como o subsídio de doença, então terá de ser o empregador a pagar”. Se assim for, o que acontecerá é que muitas empresas tentarão pôr estes trabalhadores em lay-off, avisa o advogado da PLMJ.

Inês Arruda reforça. “Ou é considerada uma falta por doença e segue o regime normal, sendo paga pela Segurança Social; ou é uma situação de isolamento profilático, também paga pela Segurança Social”. Mas, sublinha a advogada da Vasconcelos Arruda e Associados, no limite também há justificação legal para que seja a empresa a suportar. É possível argumentar que, ao abrigo do artigo 255.º e 249.º do Código do Trabalho que as faltas que por lei são consideradas justificadas só deixam de ser remuneradas pela empresa quando excedam os 30 dias por ano.

Esta é, portanto, mais uma dúvida a juntar à longa lista de questões que a Segurança Social tem para esclarecer.

Manuel Esteves 04 de maio de 2020 às 22:40Jornal de Negócios