Na administração pública, “este avanço na digitalização veio para ficar”

A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública revela que a maioria dos funcionários públicos continua em trabalho presencial, mas há “cerca de 64 mil pessoas” em teletrabalho, “praticamente” a “totalidade das pessoas que, em função do que desempenham, podem estar”.

Alexandra Leitão explica que a reabertura dos serviços da administração pública vai tornar obrigatório o uso de máscaras, acrílicos, distanciamento físico, para os funcionários e máscaras para os utentes. Em entrevista telefónica ao PÚBLICO, a ministra da Modernização Administrativa faz o balanço de 45 dias de estado de emergência. “Entre 26 de Março e 23 de Abril”, houve “cerca de 90 mil adesões à chave-móvel digital”. Foram recebidos 30 mil emails e 27 mil chamadas telefónicas no centro de contacto de cidadão e 600 emails e duas mil chamadas para o centro de contacto da empresa. “Avançou-se muito nestes 45 dias, apesar de parecer que estamos todos parados”, garante a ministra.

Segunda-feira, 4 de Maio, abrem os serviços desconcentrados, como repartições de Finanças, a 1 de Junho as Lojas do Cidadão...
Dia 4, abrem os serviços desconcentrados com atendimento presencialmente, mas por marcação. E os Espaços do Cidadão também podem abrir já. Muitos, aliás, nem fecharam nesta fase, porque têm já protecções e só entra uma pessoa de cada vez. Com todos os cuidados.

Quais as regras para funcionários e utentes?
Haverá barreiras acrílicas nos balcões. No caso das Lojas do Cidadão, já estão a ser montadas e serão cerca de mil barreiras acrílicas, geridas pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA). Estes acrílicos estarão também nos Espaços do Cidadão, que são de gestão municipal. Neste caso, serão colocadas 1500 barreiras acrílicas, através do financiamento da Direcção-Geral das Autarquias Locais. Haverá também uma organização física do espaço. Teremos linhas traçadas no chão, que vão criar o distanciamento, para as pessoas, que estão sentadas à frente de quem está a atendê-las, não se chegarem muito perto. As regras para entrar nestes espaços são as mesmas que já estão referidas para os estabelecimentos privados também. Ou seja, um máximo de uma pessoa por metro quadrado ou de cinco pessoas por cada 100 metros quadrados. Haverá protecções individuais para os trabalhadores, que incluem luvas, máscaras e eventualmente viseiras também. Além do acrílico, ainda não sabemos se os trabalhadores irão usar máscaras ou viseiras. Mas haverá obrigação de máscara para o utente.

E a higienização?
A higienização será feita não apenas em cada local de trabalho, mas de uma forma mais global, numa periodicidade que ainda vai ser determinada com a Direcção-Geral da Saúde (DGS). Haverá sempre uma pessoa à porta, que fará a gestão das entradas. São cuidados em linha do que já hoje conhecemos em relação aos espaços que continuam abertos, como é o caso dos supermercados. 

Depois de 1 de Junho, estas regras irão manter-se?
Como tem sido dito muitas vezes por todos nós e em especial pelo senhor primeiro-ministro, vamos reavaliando isto de 15 em 15 dias. Temos agora um primeiro momento no dia 4, um segundo momento no dia 18 e um terceiro momento no dia 1. À partida, conseguimos prever a esta distância, se não houver evoluções negativas, que não se perspectivam, que conseguiremos abrir as Lojas do Cidadão no dia 1 de Junho. Neste momento, a ideia é que abrirão com estes cuidados todos. Não creio que desta data até 1 de Junho estes cuidados não sejam precisos. Vão seguramente ser precisos.

A pressão sobre a Administração Pública tem sido enorme. Há áreas sob enorme solicitação. A administração pública ligada à Saúde, à Segurança Social, à Educação, às Finanças. Tem havido globalmente capacidade de dar resposta? No caso do layoff, por exemplo, tem havido atrasos e descoordenações...
Não consigo entrar em detalhes relativamente a áreas sectoriais que não são a minha. Mas queria salientar, enquanto cidadã e enquanto ministra da Administração Pública, que o papel do Estado dos serviços públicos e dos trabalhadores da administração pública, em situações difíceis de crise, como está, é fundamental. Gostaria que não houvesse esta questão que está a surgir, entre público e privado. Todos contribuímos para uma causa comum numa situação difícil, mas queria salientar o papel destes trabalhadores.

Mas como tem sido a pressão e os problemas que têm surgido?
Referiu alguns sectores que estão na primeiríssima linha. As pessoas da Saúde, desde médicos e enfermeiros, mas também a assistentes operacionais, técnicos, os bombeiros, os agentes da autoridade, mas também os trabalhadores em áreas sobre uma particular pressão, como é o caso da Segurança Social, por causa das prestações sociais e do layoff. Globalmente, acho que as coisas têm corrido o melhor possível, atendendo à situação. É justo dizer-se que os trabalhadores da administração pública, incluindo os que estão em teletrabalho, têm respondido.

Mas têm surgido atrasos e descoordenações, nomeadamente em relação ao layoff...

Na quinta-feira, o primeiro-ministro referiu que passámos de 50 pedidos de layoff para 90 mil pedidos. Todos compreendemos que qualquer serviço está dimensionado de uma determinada forma… Genericamente, as coisas têm corrido muito bem. Quer na dimensão sanitária, quer nas dimensões de retoma da economia de apoio às pessoas.

Qual é a percentagem de funcionários públicos que está em teletrabalho?

É difícil dar uma percentagem. As pessoas que não estão no atendimento público, que não estão nos balcões, não estão necessariamente todas em teletrabalho. Por exemplo, a Loja do Cidadão nas Laranjeiras, em Lisboa, tem pessoas a trabalhar lá dentro, em backoffice. Há bases de dados que não podem ser acedidas a partir de casa. Em teletrabalho, que é a solução preferencial para o público e para o privado, porque é aquela que permite maior confinamento e maior distanciamento social, temos cerca de 64 mil pessoas, o que corresponde praticamente à totalidade das pessoas que, em função do que desempenham, podem estar em teletrabalho. Um médico e enfermeiro não pode, um agente da autoridade não pode, quem pode sobretudo são técnicos superiores e assistentes técnicos. Quando falamos em percentagem, ao olhar para os 700 mil funcionários da administração pública parece muito pouco. Mas há imensas carreiras especiais que não são passíveis de teletrabalho. Em muitos casos demos orientações, mas cada serviço gere em função das capacidades que tem. Houve casos em que o computador foi providenciado pelo serviço, houve outros em que as pessoas usam os seus computadores. A promoção do teletrabalho é uma solução que até tínhamos no programa do Governo.

Agora foi forçosamente acelerada...
Há alguns aspectos que estavam no programa do Governo, como a digitalização dos serviços e o teletrabalho, que foram acelerados por esta pandemia. Não direi que é uma oportunidade. Acho que estas situações são demasiado graves e más para serem uma oportunidade, mas a verdade é que houve aqui uma aceleração de soluções que foram implementadas de forma muito mais rápida do que seriam num período normal. O teletrabalho tem, neste contexto, provado que é uma boa solução, sendo que as pessoas não perdem o seu salário e estão em casa a trabalhar normalmente. Temos também criado documentos que ficarão como guias. É o caso do guia para a saúde mental para quem está em teletrabalho, exactamente pela questão do confinamento. Produzimos um conjunto de orientações sobre o teletrabalho, como planificar garantir a assiduidade. Fizemos guias sobre formação online. Avançou-se muito nestes 45 dias, apesar de parecer que estamos todos parados. A administração pública avançou muito em várias áreas.

A pandemia fez acelerar o Simplex?
Tivemos entre 26 de Março e 23 de Abril, em pouco mais de um mês, cerca de 90 mil adesões à chave-móvel digital, que permite que através de um smartphone se tire um registo criminal, que se aceda à renovação do cartão de cidadão. É uma ferramenta que antes já existia, mas que as pessoas não sentiam tanta necessidade de usar porque podiam chegar à repartição e fazer. Tivemos 30 mil emails e 27 mil chamadas telefónicas para o centro de contacto de cidadão gerido pela AMA e 600 emails e duas mil chamadas para o centro de contacto da empresa, os tais backoffices de que falava. Este avanço na digitalização veio para ficar.

Como é que este crescimento exponencial do Simplex vai ser levado às escolas? Uma das coisas que se percebeu é que no próximo ano lectivo o ensino online vai ter que estar a funcionar. Como é que vai ser feito esse investimento no ensino?
Na educação, há muito que a ideia de avançar para formas mais digitais de ensino, à distância ou não, já traçava algum caminho. Agora isso tornou-se absolutamente necessário. Não estou a dizer que não vai haver aulas presenciais, mas que o digital veio para ficar e que não irá recuar. As escolas irão fazer essa adaptação, como o estão a fazer nesta fase final do ano lectivo. Tivemos também um aumento de visitas ao portal EPortugal. A AMA fez vários vídeos para as pessoas aprenderem a navegar. Naturalmente que o digital nunca chegará a dez milhões de pessoas, em função das opções pessoais e da literacia digital. É por isso que o atendimento presencial é importante e que, assim que possamos, estamos a retomá-lo, nas condições que é possível. Os Espaços de Cidadão, geridos pelas autarquias e num atendimento de proximidade, providenciam um serviço muito importante nessa lógica, sobretudo longe dos grandes centros urbanos.

São José Almeida - 2 de Maio de 2020, Público