Estudantes com mais sintomas depressivos devido ao isolamento. Uma “surpresa” a aconselhar vigilância nas universidades

Estudo do Hospital Júlio de Matos mostra que desempregados também são um ponto crítico. Os resultados chamam a atenção para a necessidade de vigilância destes grupos específicos.

Os resultados preliminares de um estudo feito por psiquiatras do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, identificou os estudantes com mais de 18 anos como um dos grupos em que as medidas de isolamento social podem estar a ter um maior impacto. Nas cinco categorias profissionais analisadas, que incluem, além dos estudantes, os profissionais de saúde, outras profissões, os reformados e os desempregados, só estes últimos apresentam piores resultados.

Com a maioria das universidades sem data de regresso às aulas presenciais, estes resultados “surpreendentes” chamam a atenção para a possibilidade de ser necessário elaborar “um plano de saúde mental ao nível das instituições de ensino, nomeadamente das universidades, que seja estruturado de forma a minimizar os impactos que este período parece estar a ter nesta população”, acrescentam os investigadores deste estudo a que o PÚBLICO teve acesso. Com resultados mais esperados, mas a precisar de protecção acrescida, estão os desempregados, “devendo-se igualmente ponderar uma vigilância ao nível dos centros de emprego.”

Em relação a todos os inquiridos, o estudo encontrou uma relação entre os dias de isolamento provocados pela pandemia de covid-19 e o agravamento dos sintomas depressivos e de insónia. “É possível traçar uma progressão matemática em que cada semana corresponde a um aumento das escalas desses sintomas”, explica o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro, um dos três co-autores do estudo que envolveu 1626 indivíduos — com 75,6% de mulheres e uma média de idades de 32 anos — e que teve início a 18 de Março, no dia em que foi anunciado o estado de emergência em Portugal.

Durante um mês, num inquérito online que está previsto durar até ao final do estado de emergência, avaliaram-se as pessoas através de três escalas capazes de identificar sintomas de depressão, ansiedade e insónia — Inventário de Depressão de Beck, Inventário de Ansiedade de Beck e Índice de Gravidade de Insónia —, tendo igualmente sido recolhidos dados relativos às medidas de isolamento social, ao tipo de contacto com a doença covid-19 e ainda informações sociodemográficas. Os resultados, sublinham os autores do estudo, servem como indicador do nível de sintomas para as patologias, mas não fazem um diagnóstico clínico, o que só pode ser feito através de uma consulta médica.tar

“Os estudantes e os desempregados têm mais sintomas depressivos e mais insónia do que as restantes categorias profissionais.” Em relação à escala que avalia os sintomas depressivos, quando comparada com a categoria das outras profissões, os estudantes apresentam em média um agravamento de cerca de dois pontos, enquanto os desempregados de cerca de 3,5. “Esta descoberta, numa análise simples, tem valores estatisticamente significativos para os desempregados e estudantes”, afirma Henrique Prata Ribeiro. Quanto à insónia, os desempregados têm um aumento médio de 2,5 pontos na escala e os estudantes de 0,78, continua o investigador, que fez este trabalho com André Ponte, também psiquiatra do Júlio de Matos e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e Miguel Raimundo, responsável pelo tratamento dos dados e investigador do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT), da Universidade de Coimbra. Os resultados, como muita da investigação feita durante a pandemia, ainda não foram publicados numa revista científica.

Porque é que estes estudantes têm estes resultados? Para o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro, ainda é difícil saber a razão por que estes estudantes com uma média de idades de 23 anos, provavelmente na sua maioria universitários, são dos grupos com indicadores mais negativos em relação ao isolamento. “As universidades agiram muito cedo”, lembra o psiquiatra, com algumas a suspenderam as aulas presenciais no final da primeira semana de Março. “Pode também ser uma preocupação com a saúde dos pais e avós. Temos estado a tentar encontrar um racional, porque de facto é um resultado que não esperávamos, mas os motivos podem ser inúmeros, como uma consequência da quebra de actividade e uma alteração manifesta do estilo de vida.” O estudo, aliás, não inclui uma metodologia que consiga apurar as causas, nem procurou identificar as instituições de ensino, o que permitiria afirmar, directamente, que se trata de estudantes universitários.

Os resultados são surpreendente, porque os estudantes “estão numa idade em que não é suposto haver maiores níveis de sintomatologia depressiva face a outros adultos”, adianta Henrique Prata Ribeiro, lembrando que, para mais, a covid-19 apresenta um risco de mortalidade muito maior para os mais velhos.

Numa análise mais complexa, que cruza o peso das profissões com seis outras variáveis — como os dias de isolamento já cumpridos, idade, sexo, contacto com a covid-19 até ao momento, acompanhamento em psiquiatria e toma de medicação psiquiátrica —, o estudo conclui que para os sintomas depressivos “há significância estatística para os desempregados e tendência para a significância entre os estudantes”, acrescenta Henrique Prata Ribeiro. 

Isabel Salema - 28 de Abril de 2020, Expresso

https://www.publico.pt/2020/04/28/ciencia/noticia/estudantes-sintomas-depressivos-insonia-devido-isolamento-surpresa-aconselhar-vigilancia-universidades-1913748?fbclid=IwAR2cwQmQDUnpymyJ1xPaQ9ydHU2i2XjTvwqMLD2vdyKte7k06rMJDSZNrTU