Cada universidade sua sentença. Professores contra o relaxar de medidas

Governo quer que o regresso às salasde aula das universidades comece já em maio, mas os professores estão contra. Sindicato lembra que são os docentes que estudam as curvas epidemiológicas e que nem foram tidos nem achados.

O Governo quer que as aulas nas universidades comecem a ser retomadas em maio, uma posição que está a colocar o ministro Manuel Heitor numa posição oposta à de reitores e professores universitários.

“Muitas das curvas acerca da evolução da pandemia, que servem para prever quando as coisas vão melhorar, estão a ser feitas por professores do ensino superior. Em praticamente todas elas pede-se que não se relaxe nas medidas. Isso dá uma ideia do espírito dos professores do ensino superior, que é de muita responsabilidade”, critica Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup), reforçando que seria importante o Executivo ter falado com as partes envolvidas antes de tomar uma posição.

E as recentes sugestões feitas pelo ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, em entrevista ao Observador, e que passam pela realização de testes de imunidade aos alunos para “transmitir confiança”, por horários desencontrados, por menos alunos por sala e pela disponibilização de material de proteção, como máscaras, também foram vistas com alguma desconfiança pelos reitores. Ontem o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Fontaínhas Fernandes, deixou claro que para que os testes de imunidade transmitam confiança, é preciso que se tenha primeiro confiança nesses testes: “Vamos ver quais serão os meios necessários e de que forma o poderemos fazer. É uma situação nova”.

Ao i, Gonçalo Velho disse acreditar que as declarações públicas de Manuel Heitor “procuraram colmatar danos políticos muito fortes, fruto da sua indecisão”. “É um ministro que está sempre atrás dos acontecimentos. Ele diz que a autonomia não pode servir para tudo, mas a seguir não é consequente, porque depois diz que cada instituição tem de fazer por si”, critica o presidente do SNEsup, explicando que, em vez de se traçar um caminho nacional, o Governo optou por “um conjunto de pequenos poderes”: “Parece um país feudal. Isto são instituições públicas, não são privadas. E levanta ainda a questão da responsabilidade no caso de alguma coisa correr mal dentro de uma universidade: “Se um professor adoecer e que a situação possa até originar uma morte, esperemos que não aconteça, a responsabilidade é enorme e depois o que se coloca é o seguinte: se a instituição não tiver comprado máscaras nem nada obviamente que vão ser chamadas à responsabilidade...”

 Os testes que ainda estão em fase experimental

As incertezas em torno dos testes serológicos são explicadas por Fausto Pinto, presidente do Conselho Nacional de Escolas Médicas. Ao i, o também diretor da Faculdade de Medicina de Lisboa sublinhou que estes testes estão ainda numa fase experimental.

“Está tudo em torno de uma grande incerteza ainda. Esses testes de imunidade fazem sentido para apurar a caracterização epidemiológica da covid-19, mas não é claro o significado. Poderão ajudar a avaliar se o estudante já teve em contacto com o vírus, mas não se sabe se está imune ou não”, confessou, indicando que, no que respeita, às escolas médicas, as aulas à distância estão a funcionar bem.

“As avaliações serão feitas remotamente, porque temos de ter em atenção vários pontos. Consideramos que é algo precoce. A maior parte dos países também não está a regressar agora ao ensino presencial nas universidades. Quero deixar claro que foi-nos dito para nos prepararmos para as aulas presenciais e não foi uma imposição por parte do ministério”, acrescentou Fausto Pinto.

O Conselho de Escolas Médicas Portugueses (CEMP) anunciou já que o risco de contaminação de covid-19 é elevado nas escolas médicas e, por isso, a melhor opção passará por prevenir o contágio e não haver aulas presenciais até ao final do ano letivo. O CEMP assegurou, no entanto, a conclusão do ano letivo para os alunos do 6º ano, até 31 de julho. Em comunicado, foi ainda abordada a necessidade de mais estudos sobre o coronavírus: ”É fundamental, à semelhança do que ocorre nos outros países, e tal só é possível se a comunidade científica tiver acesso célere a esses dados.” 

O que disse o ministro e as confusões geradas

O ministro da Ciência e do Ensino Superior afirmou na mesma entrevista que as instituições de ensino superior podem fazer uma gestão das condições em que o regresso acontecerá: “O ensino superior tem hoje uma capacidade para desdobrar os horários, para poder minimizar grandes ajuntamentos de estudantes numa única sala e, por exemplo, ter mais aulas durante a noite ou, pelo menos, até mais tarde. E, por isso, tem uma flexibilidade de operação que pode e deve ser usada para nós todos aprendermos também a viver perante uma pandemia que não é extinta de um dia para o outro. E é a isso que eu tenho apelado e discutido”, afirmou Heitor, dizendo procurar mostrar que este é um setor responsável.

O sindicato dos professores do ensino superior diz que, para haver responsabilidade, era preciso que tudo tivesse sido discutido com os professores e com as instituições. “O cenário em todas as instituições é de pessoas completamente perdidas, docentes a perguntar como será o regresso, alguns dirigentes vão fazendo declarações aos jornais que são estranhas e demonstram desarticulação – veja a diferença entre o reitor da Universidade de Lisboa que afirmou que ia distribuir máscaras duas vezes por dia e o caso da Universidade do Porto, em que se diz que têm de ser os docentes a comprar”, critica Gonçalo Velho.

“O cenário é de completa descoordenação, vemos muitos reitores a quererem protagonismo a fazer declarações à comunicação social, parece que não há um conselho de reitores . E as declarações do ministro, em vez de irem ao encontro e de tentar negociar o que o sindicato tinha dito, aumentaram ainda mais a confusão”, conclui.

CARLOS DIOGO SANTOS 23/04/2020 Jornal i