Como controlar os empregados à distância? CNPD explica o que (não) pode ser feito

A pandemia colocou o país em teletrabalho, mas a Comissão Nacional de Proteção de Dados alerta: não vale tudo para controlar os trabalhadores. Tecnologias para controlo remoto do desempenho são proibidas, tal como a gravação de video-chamadas. Empregador só pode controlar horários

Portugal foi dos primeiros países da Europa a enquadrar, em 2003, o regime de teletrabalho no código laboral, mas isso não significa que o processo de adaptação de empresas e trabalhadores à migração forçada (e rápida) para o trabalho remoto que a pandemia impôs tenha sido pacífico. Antes pelo contrário. À Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) têm chegado inúmeros pedidos de esclarecimento sobre o que podem e não podem fazer as empresas para controlar o desempenho dos trabalhadores à distância. A Comissão esclarece que as empresas só podem fixar objetivos e controlar horários.O organismo público que fiscaliza a proteção de dados emitiu um conjunto de orientações que enquadram algumas das principais questões que têm sido levantadas por empresas e trabalhadores, sobretudo relacionadas com o controlo, quer dos tempos de trabalho, quer da atividade laboral prestada em regime de teletrabalho, a partir do domicílio do trabalhador. A CNPD faz saber, por exemplo, que a recolha e tratamento de dados sobre o desempenho de cada trabalhador em casa “violam o princípio da minimização dos dados pessoais”.

Na mesma linha, não é legal o uso de softwares que "para além do rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade, registam as páginas de Internet visitadas, a localização do terminal em tempo real, as utilizações dos dispositivos periféricos (ratos e teclados), fazem captura de imagem do ambiente de trabalho, observam e registam quando se inicia o acesso a uma aplicação, controlam o documento em que se está a trabalhar e registam o respetivo tempo gasto em cada tarefa", realça a comissão. Entre os softwares referidos estão o TimeDoctor, Hubstaff, Timing, ManicTime, TimeCamp, Toggl e Harvest. Programas que, reforça a CNPD, recolhem em excesso dados pessoais dos trabalhadores, promovendo o controlo do trabalho num grau muito mais detalhado do que aquele que pode ser legitimamente feito nas instalações da entidade empregadora.

Assim, alerta, o uso de “soluções tecnológicas para controlo à distância do desempenho do trabalhador em teletrabalho" não é permitido por lei. Estas ferramentas são consideradas "desproporcionadas, violando vários princípios de proteção de dados".

PRÁTICA POUCO REGULADA

A CNPD admite que o regime de teletrabalho não é alvo de qualquer legislação específica que regule o controlo à distância. Mas adianta que "a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, é plenamente aplicável à realidade de teletrabalho", numa "restrição desnecessária e seguramente excessiva da vida privada do trabalhador". Da mesma forma, a comissão alerta que “não é admissível impor ao trabalhador que mantenha a câmara de vídeo permanentemente ligada, nem, em princípio, será de admitir a possibilidade de gravação de teleconferências entre o empregador (ou dirigentes) e os trabalhadores”.

De resto, como o Expresso já tinha adiantado, estão previstas outras formas para controlo de quem está em teletrabalho por parte do empregador. A visita domiciliária é uma das medidas previstas na lei, inscrita no artigo 170º do Código do Trabalho, que enquadra a privacidade do trabalhador em regime remoto. Mas até essa tem, naturalmente, limites. As visitas podem ocorrer sem pré-aviso, mas nunca fora do horário laboral.

Segundo a CNPD, às empresas é apenas permitido fixar objetivos e registar horários. Por outras palavras, criar obrigações de reporte periódico, por escrito ou em reuniões previamente agendadas no meio que se considere adequado.

Apesar de pioneiro no reconhecimento jurídico da figura do teletrabalho, Portugal nunca se destacou na adesão das empresas a este regime. Os números disponíveis são escassos, mas o que existem (de 2017, do Eurofound) colocavam o país na cauda da Europa, com apenas 11% dos profissionais em trabalho remoto. Desses, só 2% o faziam a título permanente. Se restringirmos a análise apenas aos trabalhadores por conta de outrem (TCO), os resultados, embora mais recentes, pioram. Os dados dos quadros de pessoal do Gabinete de Estatística e Planeamento do Ministério do Trabalho mostram que em outubro de 2018, num universo de 2,8 milhões de TCO, só 779 estavam abrangidos pelos designados “contratos de prestação subordinada de teletrabalho”, o equivalente a 0,02% do total.

No Estado, são pelo menos 64 mil os os funcionários públicos que a pandemia empurrou para o teletrabalho, segundo o secretário de Estado da Administração Pública, José Couto. Nas empresas do sector privado serão também largos milhares, mas a contabilização real ainda não é conhecida.

23.04.2020 Expresso - CATIA MATEUS