Retidos em Portugal ou com aulas de madrugada, alunos estrangeiros pedem suspensão das propinas Os estudantes internacionais da Universidade de Lisboa pedem apoios às mudanças a que a atual pandemia os obrigou.

A reitoria diz que não tenciona reduzir as propinas, mas há instituições que já começaram a criar fundos de emergência para não bolseiros.

Numa carta aberta endereçada à reitoria da Universidade de Lisboa, os estudantes internacionais que frequentam esta instituição uniram-se para pedir que seja suspenso o pagamento do que resta da sua anuidade (cerca de 20%). Quer para quem ficou em Portugal, quer para quem conseguiu regressar ao país de origem, as despesas são cada vez maiores e as aulas (pelo menos as síncronas) obrigam a estudar de madrugada quem se encontra noutro fuso horário, alegam no documento, divulgado numa página do Instagram.

"Principalmente por nos encontrarmos sozinhos num país estrangeiro durante uma crise de pandemia mundial, temos de voltar para o nosso país de origem, onde possuímos maior apoio familiar, estrutural e de saúde, o que causa grandes transtornos na nossa vida e gera custos totalmente inesperados, para os quais não estávamos previamente preparados", lê-se na carta. Entre esses custos está o próprio voo de regresso: ou não existem frotas disponíveis ou os bilhetes encontram-se a preços exorbitantes para a carteira de um estudante. Por isso, muitos deles dizem estar "diariamente em diálogo com as embaixadas dos seus respetivos países de origem em busca da repatriação imediata".

Porque ficar em Portugal é um risco financeiro. Não só pelo valor que continuam a ter de pagar pelas rendas dos quartos e casas alugadas, mas porque algumas moedas registaram "uma queda exponencial" no seu valor "em relação aos câmbios de maior estabilidade, como o dólar e o euro", dizem. Para os estudantes brasileiros, por exemplo, tal "resultou num aumento de cerca de 25% do valor" pago mensalmente pela propina.

Para quem conseguiu regressar ao país de origem, tem uma difícil gestão de horários pela frente. "As aulas online, mesmo que em concordância com os horários das aulas presenciais, têm afetado muitos alunos que regressaram às suas nações de origem devido ao fuso horário. Desta forma, muitos brasileiros estão a ter de frequentar aulas às 4:30 no horário local", contam na carta aberta.

Por esta altura do ano letivo, "cerca de 80% da anuidade" dos cursos já está paga - um valor que pode variar entre os 3500 euros e os 12 500 euros. Exigem, agora, que a restante propina seja suspensa, "até durar a quarentena".

O grupo de estudantes assinantes desta carta diz ainda não ter recebido qualquer resposta por parte da universidade. Em declarações ao DN, o gabinete da reitoria garante que a instituição "não tenciona reduzir as propinas dos estudantes internacionais" e acrescenta que "não responde a cartas abertas".

Há instituições a adiar o pagamento de propinas

A lei prevê que tudo continue na mesma, no que diz respeito à exigência de pagamento de propinas, mas há instituições que já deram passos no sentido de melhor apoiar os estudantes que possam passar por dificuldades nos próximos tempos. Incluindo os alunos estrangeiros. O debate divide universidades, politécnicos e os alunos.

Não "existindo aulas [ainda que à distância], não está em causa o pagamento das propinas", disse Pedro Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), em entrevista ao DN. Seja qual for o modo de trabalho e de comunicação com os alunos que as instituições escolheram, acrescenta.

Do governo ainda não chegou qualquer ordem sobre o assunto, mas, "dentro do âmbito da responsabilidade social, é importante encontrar as soluções para todos os casos, dentro da legalidade possível". Por isso mesmo, algumas escolas superiores decidiram tomar a iniciativa de alargar o prazo para o pagamento das propinas. Como é o caso do Instituto Politécnico de Setúbal (ISP), presidido pelo próprio Pedro Dominguinhos, de Castelo Branco, de Portalegre e de Santarém.

Os alunos vindos de outros países não podem concorrer a uma bolsa de ação social direta

Para as universidades, esta possibilidade ainda não é colocada em cima da mesa. De acordo com o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), a situação deve ser avaliada caso a caso.

Entretanto, todos os estudantes nacionais continuam a ter até 31 de maio para apresentar candidatura à bolsa de Ação Social ou reapreciação da mesma. O mesmo não se aplica, contudo, aos estudantes internacionais, que não estão aptos para se candidatarem a bolsas de ação social direta. A única exceção são aqueles que se encontram em situação de emergência humanitária.

No entanto, ainda de acordo com Pedro Dominguinhos, há instituições de ensino superior que "criaram fundos de emergência para responder a casos de estudantes não bolseiros, onde se incluem também os estudantes internacionais".

São 50 mil os estudantes estrangeiros inscritos em universidades e politécnicos do país e representam 13% da totalidade do ensino superior . Nos últimos quatro anos, aumentaram em 48%, fruto da validação do estatuto do estudante internacional, em 2014, a par do programa Estudar e Investigar em Portugal.

Catarina Reis 22 Abril 2020 — Diário de Notícias