Função Pública Recuperar 10 anos de perda de poder de compra seria “reescrever a história”

Ministra Alexandra Leitão diz que é "impossível" recuperar o poder de compra perdido pelos trabalhadores da função pública na última década.

A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, considera impossível que os trabalhadores das administrações públicas venham a recuperar a totalidade do poder de compra perdido para a inflação após uma década sem atualizações remuneratórias.

“É impossível reescrever completamente a história”, disse esta terça-feira a governante aos deputados, em audição pública. “Recuperar dez anos de perda de poder de compra é algo que não sei se é sequer possível”, considerou quando questionada sobre que propostas de compensação para os funcionários públicos o governo estará disposto a ponderar num ano em que o aumento para a generalidade dos trabalhadores fica limitado a 0,3%, com referência à inflação do ano passado.

“Já fomos além da reposição de direitos com aquilo que é possível fazer, agora reescrever a história não é possível”, insistiu ainda nas declarações no parlamento.

A primeira atualização desde 2009 só vai garantir uma subida mínima em dez euros àqueles que têm hoje vencimentos até aos 683,13 euros, numa subida a rondar aos 1,5% que beneficiará apenas cerca de 150 mil trabalhadores, nas contas do executivo. A generalidade dos trabalhadores vê os salários subirem 0,3% em 2020.

Os aumentos limitados foram decididos pelo governo após uma ronda extraordinária de negociações com os sindicatos da função pública já após a aprovação do Orçamento do Estado, em fevereiro, sem que o governo tenha acolhido contrapropostas aos 0,3% de subida que passavam pela recuperação de dias de férias ou aumento no subsídios de refeição para valores entre seis e dez euros, nas diferentes propostas sindicais.

Os trabalhadores prometeram em resposta dar luta ao governo para exigirem mais. A Frente Comum convocou já greve para dia 20 deste mês. A Fesap anuncia também esta tarde as ações de luta para contestar as subidas limitadas. Em defesa da opção do governo, que tem insistido no aumento de despesa que se verifica este ano em resultado do processo de descongelamento de carreiras terminado em dezembro de 2019, Alexandra Leitão insistiu em dois aspetos: “É uma valorização transversal, coisa que já não acontecia há muitos anos”, defendeu por um lado, e “é o primeiro passo de um caminho que se vai tornar a fazer”, juntou por outro lado. A ministro retomou a promessa de que haverá atualizações salariais transversais em todos os anos da atual legislatura e de que no próximo ano esta será sempre, no mínimo, de 1%, a percentagem de inflação prevista para 2020 no Orçamento do Estado.

Nas respostas aos deputados, a ministra deu ainda conta do compromisso de rever a Tabela Remuneratória Única da função pública, cuja base é elevada em 65 euros desde 2018, passando dos 580 aos 645,07 euros, devido à opção do governo de concentrar despesa com aumentos entre os salários mais baixos (grupos dos assistentes operacionais e assistentes técnicos) tanto no ano passado como no atual. “É preciso revisitar a Tabela Remuneratória Única para a tornar novamente proporcional. Estamos de acordo e vamos fazê-lo”, assegurou.

Os sindicatos têm alertado que a elevação dos salários mais baixos sem correspondentes subidas entre os restantes tem levado a que alguns trabalhadores com vários anos de carreira acabem por levar para casa ao fim do mês salários ao mesmo nível daqueles que acabam de ingressar em funções. Alexandra Leitão foi também chamada a dar conta do andamento do processo de integração de trabalhadores precários do Estado e autarquias iniciado já em 2017, com mais de 30 mil requerimentos para a formalização de vínculos de quem exerce funções de caráter permanente.

Precários com mais 200 pareceres favoráveis à integração

A ministra indicou que o programa de regularização dos vínculos precários da administração pública, o chamado PREVPAP, iniciado em 2017, resultou na abertura até aqui de 6480 concursos para a integração de mais de 21 mil trabalhadores. Informou também que nos meses de janeiro e fevereiro foram garantidos mais 200 pareceres favoráveis à integração no processo que se previa que ficasse concluído na anterior legislatura, mas que o governo se propõe agora estender até ao final do primeiro semestre.

Segundo Alexandra Leitão, nos sectores mais lentos a integrar, o ensino superior, a comissão de avaliação bipartida encarregada de analisar os requerimentos antes de homologação do processo pelas Finanças e tutela do Ensino Superior produziu ao todo 1682 pareceres favoráveis. Até aqui, só 17 docentes do ensino superior viram a integração validada pelo governo, lembraram os deputados.

Esta área e também a da Educação justificam, segundo a ministra, que se mantenha ainda um nível elevado de contratos a prazo nas administrações públicas, nos dados da Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) que comparam os quadros públicos entre 2015 e 2019.

Retirando professores e investigadores da equação, defendeu, o peso dos contratos precários na função pública ficaria em 8%. O governo tem defendido que as especificidades destes sectores – a exigirem provas de agregação, nuns casos, e dependentes dos anos letivos e alunos inscritos, noutros – motivam o menor ritmo de integrações.

Na Educação, revelou a ministra, há “alguns casos” de trabalhadores que estão a ver a sua não apresentação ao PREVPAP revista depois de terem falhado o prazo para requerimento por “razões atendíveis”. Segundo Alexandra Leitão são essas as orientações na revisão de casos não resolvidos no âmbito do programa envolvendo trabalhadores que constituem necessidades permanentes. “Não posso garantir que esteja a ser feito generalizadamente”, ressalvou.

A governante voltou também a ser questionada nesta audição sobre a situação da ADSE e da intenção de se avançar para a mutualização do instituto público que gere o subsistema de saúde dos funcionários públicos. Alexandra Leitão voltou a atirar a questão para a frente, defendendo que esta “passa antes pela estabilidade financeira”.

“Quando evoluir para aí, aplicar-se-ão as regras legais que se tiver de aplicar”, respondeu sobre a organização futura do instituto que mantém a tutela do Estado mas vive das contribuições dos funcionários públicos.

Quanto ao atraso no recrutamento de pessoal para a ADSE – com mais de 700 mil reembolsos pendentes, de acordo com o economista Eugénio Rosa, representante dos beneficiários na direção -, Alexandra Leitão não avançou quando estarão concluídas as contratações, que ficaram dependentes do processo de recrutamento centralizado iniciado no ano passado pelo governo. ”Não é só através de recursos humanos que isso se resolve”, defendeu, insistindo nos efeitos da digitalização e informatização dos processos.

Maria Caetano 03.03.2020 Dinheiro Vivo