Tribunal de Contas: Financiamento do Estado ao ensino superior não está a premiar o mérito

A forma como as verbas foram atribuídas nos últimos quatro anos no âmbito dos contratos assinados com as instituições de ensino superior não cumpre a lei nem foi feito um controlo objetivo sobre os resultados alcançados por universidades e politécnicos, concluiu o Tribunal de Contas. Ministério do Ensino Superior contesta conclusões “inaceitáveis” e “redutoras”

Entre 2016 e 2019, o financiamento do Estado a universidades e politécnicos foi fixado através de contratos que estabeleciam níveis mínimos de verbas a atribuir em cada ano e um conjunto de objetivos que deviam ser atingidos pelas instituições. E se a primeira parte foi cumprida – as dotações do Orçamento do Estado nunca foram inferiores às de 2016 -, já o controlo sobre o cumprimento de objetivos ficou por fazer, aponta o Tribunal de Contas numa auditoria agora divulgada.

“O acompanhamento e controlo de financiamento limitou-se às dotações orçamentais , garantindo a contenção da despesa no quadro orçamental definido. Porém, não foi aproveitada a oportunidade para dar conta do resultado de medidas contidas nos contratos e de mostrar o cumprimento do compromisso de as instituições de ensino melhorarem o desempenho, as práticas de gestão e o equilíbrio financeiro”, lê-se no relatório do TC.

Melhorar a articulação entre o ensino e a investigação, reduzir o abandono escolar ou melhorar a sua gestão eram alguns dos objetivos que constavam do acordo entre universidades, politécnicos e tutela. E que deviam ser acompanhados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CURP) e pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Só que esta monitorização falhou.

O CRUP “não elaborou os relatórios semestrais” de execução do contrato a que se comprometeu – o facto de as metas não estarem associadas a indicadores quantitativos dificultavam a tarefa, alegaram as universidades – e o CCISP elaborou apenas o de 2017, apontam os conselheiros do tribunal.

Qualidade e excelência fora das contas

Outro aspeto apontado na auditoria prende-se com o facto de o financiamento atribuído não respeitar a lei de bases do financiamento do ensino superior . De acordo com o TC, a fórmula de financiamento estabelecida para a distribuição de verbas foi “ignorada”, bem como os “critérios de qualidade e desempenho nela enunciadas”. E deixa o recado: “o entendimento de que o estabelecido na Lei de Bases é desadequado não deve conduzir à adoção de soluções diversas sem promoção da respetiva alteração”.

Os conselheiros do TC também chegaram à conclusão de que não é possível verificar em que medida aqueles acordos de legislatura para o financiamento do ensino superior serviram para promover o a melhoria das instituições. Isto porque para a afetação de verbas não foi considerado nem o desempenho das várias universidades e politécnicos, nem “critérios objetivos de qualidade e excelência” que estão previstos na lei. E também não foram tidos em conta as “especificidades das instituições, resultados e níveis qualitativos ou qualquer outro critério suscetível de conferir um financiamento diferenciador, promotor da gestão eficiente e do desempenho, premiando o mérito e alavancando a excelência”.

Por isso, concluiu-se, as “insuficiências observadas colocaram em crise o princípio orçamental da transparência”. Por outro lado, a inexistência de uma definição clara dos fins específicos a que se destina o financiamento (ensino, investigação, projetos, etc) “impede qualquer apreciação sobre a sua suficiência”.

A ausência de metas concretas e os novos contratos

Outras das falhas identificadas na auditoria tem a ver com a inexistência de metas concretas e indicadores relacionados com os compromissos assumidos, “inviabilizando qualquer apreciação objetiva, imparcial e transparente”. Além disso, o facto de os compromissos serem ou não cumpridos não determinava quaisquer alterações no financiamento.

No final do ano passado, Ministério e instituições de ensino superior voltaram a assinar novos contratos, desta vez para o período de 2020-2023. Neles se estabelece um reforço de 55 milhões de euros nas verbas transferidas do OE já este ano (para um total de 1160 milhões de euros) e um aumento de 2% ao ano até 2023.

Mas desta vez o que não falta são metas e indicadores a cumprir, tendo as instituições de apresentar os seus planos e dizer à tutela como esperam contribuir para os objetivos globais.

O TC aplaude, mas avisa que é preciso ir mais longe: o novo contrato apresenta “melhorias mas não afasta a necessidade de o modelo de financiamento ser aperfeiçoado, face às insuficiências e deficiências identificadas pela auditoria”. Entre as medidas, os conselheiros sugerem que se pense num financiamento relacionado com o desempenho e um maior controlo.

As críticas do Ministério

Confrontado com os resultados da auditoria no final do ano passado, o ministério de Manuel Heitor não poupou nas críticas ao que era então a versão inicial da auditoria agora tornada pública.

Conclusões “inaceitáveis”, partes inteiras que deviam ser “corrigidas”, “falta de fundamentação”, versão “redutora, incompleta e desconhecedora das tendências internacionais” são apenas alguns dos reparos feitos na pronúncia do Ministério do Ensino Superior. Além disso, a tutela faz questão de notar na sua resposta que “não está na jurisdição do Tribunal de Contas fiscalizar politicamente a ação do Governo”.

18.02.2020 - Expresso on line - Isabel Leiria