ADSE tem 650 mil despesas por tratar. Atrasos nos reembolsos são “enormes”

No Portal da Queixa acumulam-se as reclamações por atrasos nos reembolsos do subsistema de saúde dos funcionários públicos. Membro do conselho directivo da ADSE diz que são precisos mais cerca de sete dezenas de trabalhadores para funcionar normalmente.

A ADSE tem cerca de 650 mil documentos de despesas no regime livre que estão por tratar, sem contar com os que estão por digitalizar, e os atrasos nos reembolsos são “enormes”, um problema que “estrangula e destrói” o subsistema de saúde dos funcionários públicos, afirma Eugénio Rosa, membro do conselho directivo da ADSE eleito pelos representantes dos beneficiários. O economista critica ainda a anunciada intenção do Governo de transformar o subsistema “numa associação mutualista, desresponsabilizando o Estado”, por considerar que isso irá permitir “a fácil e rápida captura da ADSE pelos grandes grupos de saúde”.

O problema dos atrasos na análise dos pedidos de reembolso deste subsistema não é novo mas estará a agravar-se, a crer nos dados da última informação aos beneficiários que Eugénio Rosa divulgou neste fim-de-semana. A actual situação decorre em grande parte do facto de a ADSE ter “actualmente 194 trabalhadores quando precisa de 270”, explica o economista, para quem a falta de funcionários “está a estrangular a ADSE, a causar a insatisfação dos beneficiários e a fragilizá-la face aos grandes grupos privados de saúde”. Dos documentos de despesa em análise, e chegam “cerca de 12 mil por dia, cerca de 90% dão direito a reembolso”, adiantou ao PÚBLICO.

No Portal da Queixa, as reclamações contra os atrasos nos reembolsos da ADSE acumulam-se. É o caso de Paulo Borges, um beneficiário do subsistema que faz hemodiálise desde 2003, e que se queixava há cerca de uma semana por não ter sido ainda reembolsado de um montante superior a nove mil euros devido pelo transporte de que necessita para efectuar os tratamentos. Apesar de já ter reclamado por ter ficado à espera pelo pagamento de despesas no passado, garante que “nunca esteve 11 meses com os reembolsos em atraso como se verifica no corrente ano”. 

Na sequência dos seus protestos - é doente com “insuficiência renal crónica, com uma incapacidade elevada, há 16 anos a realizar tratamentos de hemodiálise, no mínimo três vezes por semana” -, foi notificado entretanto de que teria que apresentar atestado médico a comprovar a necessidade de transporte para o tratamento, exigência que afirma nunca ter sido feita no passado. Enviou o atestado, mas em 13 deste mês continuava à espera dos reembolsos. 00

No mesmo sentido, no final de Novembro, Clarice Barrisco criticava neste portal o facto de os dois pedidos de reembolso que submeteu na plataforma electrónica em 19 de Agosto terem ficado “em processamento” apenas “dois meses depois” e continuarem ainda por liquidar. Os serviços da ADSE responderam à beneficiária, argumentando que o atraso se ficava a dever “ao elevado número de documentos que são registados diariamente”.

"Captura” pelos grupos privados de saúde

Estes são apenas dois exemplos das centenas de reclamações registadas no Portal da Queixa. Para Eugénio Rosa, os principais culpados pelo estado a que o subsistema chegou são o Governo e os seus representantes no conselho directivo. Há cerca de um ano e meio, o conselho directivo decidiu que era urgente lançar concursos externos para contratar os trabalhadores que a ADSE necessitava para poder funcionar normalmente, mas nada foi feito até Abril deste ano, altura em que o ministro das Finanças “centralizou no seu ministério” os concursos de técnicos superiores do Estado. Destes, mais de 20 iriam trabalhar no subsistema, explica o economista.

Mas o serviço que ficou responsável pela realização do concurso (ex-INA) “não tem recursos para fazer a avaliação dos 20.000 candidatos que se inscreveram e Mário Centeno tem recusado aprovar um orçamento para aquisição desses recursos”, acentua. Tudo isto acontece numa altura em que a ADSE não tem sequer falta de dinheiro, nota, a propósito, o economista, lembrando que este ano os trabalhadores e os aposentados descontaram até Novembro 562 milhões de euros, e que o subsistema tem ainda aplicados a prazo no IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) 350 milhões de euros.

A solução tem sido recorrer à aquisição de serviços externos para recuperar os atrasos que, se antes eram em média de 60 dias, agora chegam aos 90 dias, havendo casos em que os pagamentos chegam a ficar pendentes seis a sete meses, adianta. Só que também para estes contratos é necessária autorização das Finanças.

Eugénio Rosa mostra-se igualmente preocupado com as recentes declarações da ministra da modernização do Estado, Alexandra Leitão, que defendeu a transformação da ADSE numa associação mutualista, o que, no seu entender, vai abrir a porta “a uma rápida e fácil captura da ADSE pelos grandes grupos privados da saúde”. A ADSE “movimenta anualmente mais de 680 milhões de euros por ano” e, “sem a protecção do Estado, rapidamente seria capturada por estes grupos” que criariam as condições para transformar o subsistema “num seguro de saúde igual aos muitos que existem com plafonds na despesa e com co-pagamentos elevados”, defende.

Questionando igualmente o facto de a proposta da nova tabela de preços do regime convencionado continuar por definir, depois de ter sido prometida há um ano e meio, o economista diz que os representantes do Governo no conselho directivo se têm oposto à assinatura de convenções com pequenos e médios prestadores, “promovendo uma maior concentração nos grandes grupos de saúde, pois obrigam os beneficiários a deslocar-se aos seus hospitais”.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos ao Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública e à presidente do conselho directivo da ADSE, que não responderam até à hora do fecho da edição.

Alexandra Campos

24 de Dezembro de 2019, Público