Portugal falha meta europeia de ter 40% da população diplomada

Especialistas são consensuais em antecipar que os 6,5 pontos de distância face ao objectivo do próximo ano não são alcançáveis. Dados são sublinhados no relatório Estado da Educação que é tornado público nesta terça-feira.

A um ano do prazo para a meta europeia de ter 40% da população com um diploma, é já claro que Portugal não vai atingir esse compromisso. A conclusão é consensual entre os especialistas, face aos dados mais recentes, que constam do relatório Estado da Educação, publicado nesta terça-feira. Esses indicadores, relativos a 2018, mostram que, na população dos 30 aos 34 anos, Portugal está ainda a 6,5 pontos percentuais do objectivo.

No ano passado, apenas 33,5% da população daquela faixa etária tinha um diploma, de acordo com aquele relatório, publicado anualmente pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo do Governo e da Assembleia da República para o sector. Depois de uma evolução positiva neste indicador desde 2009, assistiu-se nos últimos anos a um abrandamento que, entre 2016 e 2018, resultou mesmo num retrocesso de 0,9 pontos percentuais – uma realidade desvalorizada pelos especialistas contactados pelo PÚBLICO, podendo apenas reflectir uma alteração no padrão demográfico.

O que realmente importa sublinhar é a “estagnação” observada nos últimos anos, mas que, ainda assim, “não surpreende” Pedro Teixeira, do Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior. O crescimento na procura do ensino superior tem sido modesto. No último concurso nacional de acesso, esse aumento foi de 1,2%. “Não estamos a alterar substancialmente o padrão de qualificação da população adulta”, sublinha aquele especialista.

A única oferta do ensino superior que tem tido um crescimento mais acelerado são os cursos técnicos superiores profissionais. No entanto, estas formações são ainda relativamente recentes e, lembra o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos, os seus diplomados apenas no final da próxima década passarão a integrar o grupo etário dos 30 aos 34 anos, no qual se baseia o compromisso estabelecido por Portugal com Bruxelas.

Ao PÚBLICO, o gabinete do ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, sublinha que o mesmo relatório “demonstra que a taxa de escolarização em 2017/18, entre os 18 e os 29 anos, regista uma evolução positiva, quando comparada com os dados de 2014/2015”. Por isso, prevê-se “os próximos anos confirmem uma dinâmica de crescimento" das qualificações no grupo etário entre os 30 e os 34 anos, “quando conjugadas com a implementação das medidas de reforço da formação superior na população portuguesa, previstas no Programa de Governo”.

Apesar de sublinhar a distância que o país mantém dos indicadores internacionais com que se comprometeu, o relatório Estado da Educação regista os “enormes avanços já conseguidos” no que à frequência do ensino superior diz respeito. Ainda assim, o CNE reclama “uma atenção e um esforço” suplementares, “designadamente uma reapreciação das condições de acesso ao ensino superior”.

O CNE reclama “uma atenção e um esforço” suplementares, “designadamente uma reapreciação das condições de acesso ao ensino superior”.

Não há mais referência no documento à questão do acesso ao ensino superior, que esteve em discussão ao longo da última legislatura, sem que tenha sido implementada uma solução. O Governo vai propor nas próximas semanas um modelo especificamente destinado a chamar para as licenciaturas os estudantes que concluem o ensino profissional.

A investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa Cláudia Sarrico, que actualmente trabalha na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), discorda da ênfase que tem sido colocada na atracção dos estudantes do ensino profissional para o ensino superior. Entre a população jovem, Portugal “tem bons indicadores”, lembra a especialista, com uma percentagem de alunos inscritos em instituições de ensino “superior à média” – 89% contra 85% na OCDE, como mostrava o relatório internacional Education at a Glance do ano passado.

“Onde Portugal tem um grande défice é nos alunos mais velhos”, reforça. As instituições de ensino superior deviam, por isso, “olhar para a população activa e fazer aí um esforço de captação de alunos com mais de 20 anos e, sobretudo, com mais de 30 anos”, defende Cláudia Sarrico.

Esse é outro dos indicadores salientados pelo Estado da Educação. Até 2020, Portugal devia ter pelo menos 15% dos adultos a participar na aprendizagem ao longo da vida. Em 2018, Portugal ainda se encontrava a 4,7 pontos percentuais da meta.

Pedro Dominguinhos reconhece o “problema”. “Durante anos, o país negligenciou a formação ao longo da vida”. É junto desses públicos “que se pode dar a melhoria significativa das qualificações”, defende, por seu turno, Pedro Teixeira, salientando, porém, que para que isso aconteça são necessárias mudanças culturais. Por um lado, “a formação não é vista como uma questão central no mercado de trabalhoe, por outro, os percursos formativos tendem a ser lineares: “quando se sai do sistema de ensino, raramente se regressa”.

Estas são duas das cinco metas relativas à qualificação da população com as quais Portugal se comprometeu junto da Comissão Europeia no acordo de parceria estabelecido no âmbito do quadro de financiamento comunitário que vigora desde 2014 e relativamente aos quais o Estado da Educação 2018 apresenta um balanço. Nos outros indicadores, Portugal tem um comportamento mais positivo: está a 1,4 pontos percentuais de garantir que pelo menos 82% da população entre os 20 e 34 anos que conclui um nível igual ou superior ao ensino secundário encontra emprego no espaço de um a três anos; está também prestes a atingir o compromisso de ter pelo menos 95% das crianças entre os 4 anos e os 6 anos na educação pré-escolar; e foi o país que ao longo da década mais reduziu a taxa de abandono escolar precoce.

Samuel Silva - 26 de Novembro de 2019, Público