Recém-licenciados perdem 18% desde a crise financeira

Rendimento mensal líquido dos jovens licenciados está, em termos reais, abaixo de 2008, nos €726. Prémio salarial do ensino superior também caiu. Canudo perdeu mais de metade do valor

Jovens licenciados ganham menos do que antes da crise. Impacto negativo pode afetar toda a carreira

Quem olha para a evolução dos indicadores económicos portugueses nos últimos anos, com a economia a crescer acima dos 2% e a taxa de desemprego a recuar até perto dos 6%, pode concluir que a crise ficou para trás. Mas um jovem licenciado faz contas diferentes. É que, em média, leva para casa menos do que um recém-licenciado ganhava em 2008, antes da crise financeira mundial.

Os cálculos do Expresso, realizados a partir de dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostram que o rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem (TCO), com ensino superior e até aos 24 anos de idade, ainda está longe de recuperar do tombo sofrido durante os anos negros da crise. Em 2008, um jovem recém-formado ganhava, em média, €793 líquidos mensais. Um rendimento que caiu para apenas €592 em 2013. De então para cá, este salário tem vindo a recuperar, mas continua 8,4% abaixo do pré-crise. Se a análise levar em conta a inflação, para avaliar a evolução do poder de compra destes jovens qualificados (até aos 24 anos de idade), a perda acentua-se. O salário atual de €726 líquidos por mês traduz uma quebra de 18,2% em termos reais face a 2008.

Os números não surpreendem o economista do trabalho João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Isto porque, além do forte agravamento de impostos durante os anos da crise — que afeta o rendimento líquido —, revertido apenas em parte nos últimos anos, “assistimos, com o processo de Bolonha, a um aumento significativo do número de licenciados no mercado de trabalho”, refere. Uma evolução que “teve repercussões diretas no preço do trabalho qualificado, puxando para baixo os salários”, explica o economista.

João Cerejeira lembra que, num cenário de crise e desemprego elevado, “muitos licenciados passaram a assegurar funções que antes eram exercidas por profissionais menos qualificados. Para as empresas, com o nível de remunerações praticado, tornou-se mais rentável contratar licenciados”. O economista alerta ainda que esta depreciação remuneratória dos jovens mais qualificados pode acompanhá-los durante muito tempo. “Os estudos mostram que quem entra no mercado de trabalho em períodos de crise viverá os efeitos dessa crise ao longo de pelo menos duas a três décadas, senão mesmo toda a sua carreira”, frisa.

Canudo vale cada vez menos

A desvalorização salarial dos jovens mais qualificados tem reflexos no prémio remuneratório do ensino superior. Em 2008, um jovem TCO, até aos 24 anos, ganhava, em média, mais 51% do que um trabalhador na mesma faixa etária mas apenas com o ensino secundário. Pouco mais de uma década depois, em 2019, esse prémio reduziu-se para menos de metade. É apenas 21%.

É o reflexo do aumento da oferta de profissionais mais qualificados no mercado de trabalho, mas não só. João Cerejeira aponta também baterias a uma maior diferenciação entre áreas e níveis de formação dentro do próprio ensino superior. “Aquilo a que temos assistido é a uma crescente desigualdade dentro do ensino superior em matéria de potencial remuneratório. Há uma desvalorização salarial das licenciaturas mas um aumento do valor de mercado associado aos mestrados e pós-graduações”, explica o professor, que acrescenta que “a transformação tecnológica também tem beneficiado os profissionais com formação superior em áreas mais científicas e tecnológicas, aumentando o seu diferencial remuneratório não só em relação aos licenciados de outras áreas mas também aos que detêm o ensino secundário”.

A redução do prémio salarial da licenciatura em relação ao ensino secundário não se sente apenas entre os trabalhadores mais jovens, estendendo-se a outros grupos etários. A única exceção são os trabalhadores a partir dos 45 anos, onde o prémio salarial do ensino superior subiu de 59%, em 2008, para os atuais 68%. Além disso, a redução do rendimento médio mensal líquido dos TCO com formação superior sentiu-se em todos os escalões etários, oscilando entre os 7,9% e os 13,1%, em termos nominais, e os 17,7% e os 22,3%, em termos reais.

Menos qualificados são os que mais ganham

Em sentido contrário, a remuneração líquida mensal dos trabalhadores menos qualificados aumentou desde 2008. Um profissional com o ensino básico (3º ciclo) ganha hoje, em média, €667, mais 18,1% do que em 2008 (variação nominal). Ao nível do poder de compra, ou seja, considerando o impacto da inflação, a variação é mais modesta, mas ainda assim positiva: mais 5,6%.

Uma evolução indissociável da trajetória do salário mínimo nacional, que abrange muitos dos profissionais menos qualificados. No mesmo período, a remuneração mínima garantida passou de €426 mensais para €600. Um aumento de 40,8% em termos nominais e 25,9% em termos reais.

Quanto às qualificações intermédias, ao nível do ensino secundário e pós-secundário, a remuneração média mensal líquida passou de €777 para €816, traduzindo um aumento de 5,1%. Contudo, em termos reais, verifica-se uma perda de 6,1%. Números muito mais modestos do que a evolução dos ganhos dos trabalhadores menos qualificados, que ajudam a explicar a aproximação crescente do salário mínimo ao intermédio. Portugal é o segundo país da União Europeia onde os salários mínimo e mediano têm menor diferença.

Desemprego em mínimos de 2003

É preciso recuar até ao terceiro trimestre de 2003 para encontrar um nível de desemprego no mesmo patamar do terceiro trimestre deste ano, 6,1%. Os números divulgados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) colocam o desemprego nacional no nível mais baixo dos últimos 16 anos e comparam com uma taxa de desemprego de 6,3%, nos três meses anteriores, e de 6,7% no terceiro trimestre de 2018. O INE contabiliza agora 323,4 mil pessoas desempregadas em Portugal, menos 5,1 mil pessoas do que três meses antes (-1,5%) e menos 29,3 mil pessoas (-8,3%) do que há um ano. E há outros aspetos a merecer destaque por parte dos economistas. Por um lado, a subida do emprego (0,6% face ao trimestre anterior) ultrapassa a queda do desemprego (0,2%), revelando um reforço da população ativa e, por outro, a precariedade diminuiu. Durante o terceiro trimestre, relevam os dados, o número de contratos de trabalho sem termo representava 79,5% do total de trabalhadores por conta de outrem, algo que não acontecia desde 2012. O desemprego jovem e o de longa duração também recuaram no verão, para os 17,9% e os 3,2%, respetivamente. Mas nem tudo são boas notícias. O aumento do emprego em 0,9%, em termos homólogos, é o mais baixo dos últimos três anos.

Cátia Mateus e Sónia M. Lourenço - Expresso 09.11.2019