Supremo nega acesso de professor convidado à carreira

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acaba por ser um recado para os 42% de docentes do ensino superior que estão contratados a termo como convidados.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu como provado que a Universidade do Porto despediu “ilicitamente” um dos seus professores, mas em simultâneo decretou que este mesmo docente “não tem direito à reintegração no seu posto de trabalho”.

Aproveitando o processo instaurado em 2016 pelo professor dispensado, que foi sendo alvo de decisões contraditórias nas instâncias por onde passara antes (Tribunal Judicial e Tribunal da Relação), o STJ produziu um acórdão que acaba por ser um verdadeiro “dois em um” no que toca à situação dos docentes do ensino superior que têm o estatuto de professor convidado.

Mais concretamente, o Supremo considerou que o docente em causa foi despedido ilicitamente porque a Universidade do Porto o afastou “sem justa causa e sem prévia elaboração de processo disciplinar”, passos obrigatórios para quem está contratado por tempo indeterminado. O problema é que este docente fora contratado a termo certo como professor convidado. O que é feito sempre por convite. Manteve-se nesta situação entre 2009 e 2015, data do seu afastamento. Seis anos, portanto, o que excede os prazos estipulados pelo Código de Trabalho para esta modalidade de contratação e implica, por isso, a sua conversão num contrato sem termo.

Facto que o STJ subscreveu ao dar como ilícito o afastamento deste docente, mas com uma nuance de relevo: considerou nula esta nova situação contratual porque na função pública “não é possível a conversão automática de um contrato de trabalho de docente convidado a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado”, já que deste modo se poria em causa o procedimento legal para a entrada na carreira (a realização de concursos públicos). E se atentaria contra a Constituição que, no seu artigo 47.º, estipula que “todos os cidadãos têm acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade em regra por via de concurso”.

Fica assim dado o recado aos 10.297 professores do superior público que, segundo as contas do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), que analisou os dados de 2018/2019 da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, estão contratados como convidados a termo certo, representando 42% do total de docentes deste nível de ensino. Nos termos do Estatuto da Carreira de Docente Universitário (ECDU), esta proporção não pode exceder os 30%.

"Normalizar a precariedade"

Para o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Gonçalo Velho, o STJ acabou por “normalizar a precariedade” existente no ensino superior: “O acórdão do STJ transporta uma violação do princípio da igualdade que afirma procurar defender. Os direitos que são válidos para qualquer cidadão parecem parar à porta das universidades.”

A categoria de professor convidado não está prevista nas carreiras dos professores do ensino universitário e politécnico. Segundo os respectivos estatutos, os professores convidados integram o lote de “pessoal especialmente contratado” que, neste caso em concreto, deve ter como alvo “individualidades, nacionais ou estrangeiras, de reconhecida competência científica, pedagógica ou profissional, cuja colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a instituição de ensino superior em causa”.

Ora, os números da DGEEC dão razão aos que os sindicatos têm vindo a denunciar: a figura de professor convidado tem sido usada para contratar todo o tipo de docentes para assegurar a carência de recursos das instituições do ensino superior, sem os encargos da entrada na carreira. É o que chamam de “falsos convidados”, como era o caso do docente da Universidade do Porto aqui referido, que estava aliás contratado a tempo integral e com dedicação exclusiva, uma situação que o ECDU só prevê em casos excepcionais, já que a norma para estes docentes é a contratação a tempo parcial.

A respeito ainda do caso deste docente, refira-se ainda que o tribunal judicial, onde começou por ser julgado, decidiu em 2017 que a acção contra a Universidade do Porto era “totalmente improcedente”. O professor recorreu tendo acabado por obter uma vitória no Tribunal da Relação para onde o processo seguiu, que condenou a universidade a reintegrar este docente “no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e sem perda de quaisquer direitos ou regalias”.

Ao contrário do que o STJ veio depois a decidir, a Relação entendeu que era “admissível a conversão de contrato a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado (…) com fundamento na violação perla empregadora, das regras estabelecidas no Código de Trabalho”, uma decisão que segundo o mesmo tribunal em nada colide com o estipulado na Constituição. 

Clara Viana - 7 de Novembro de 2019, Público