Custo de cada beneficiário da ADSE está a subir 8% ao ano

Défices anuais da ADSE chegam já em 2020 e almofada acumulada esgota-se em 2026. Atraso no alargamento da ADSE já fez perder 53 milhões nos últimos dois anos. Entrada de mais 100 mil pessoas não resolve o problema de fundo.

Em 2017, a ADSE demorava 154 dias a pagar aos prestadores convencionados

Os custos da ADSE com os beneficiários estão a aumentar de forma galopante com o envelhecimento da população. Só entre 2013 e 2017, os encargos subiram em média 8% ao ano e, se nada for feito para diminuir a despesa e rejuvenescer o universo das pessoas que descontam, é a própria sustentabilidade do subsistema de saúde dos funcionários públicos que fica em risco, avisa o Tribunal de Contas (TdC) num relatório publicado esta quarta-feira.

A auditoria conclui de forma taxativa que “a ADSE é viável” e “sustentável” no médio prazo. Mas acrescenta-lhe uma condição: será viável no longo prazo “desde que os actuais responsáveis pela sua continuidade” — o conselho directivo da ADSE e o Governo — tomem medidas para diminuir a despesa e fazer crescer as receitas.

Estado e regiões autónomas devem 184 milhões à ADSE

Há cada vez menos beneficiários novos e cada vez mais beneficiários mais velhos. A média das idades dos funcionários públicos e pensionistas que descontam sobre os seus salários ou pensões está hoje nos 59 anos e chegará aos 63 dentro de dez anos “se nada for feito” para contrariar essa tendência de envelhecimento (com funcionários públicos, pensionistas e familiares beneficiários, a média das idades é de 47 anos e passará para 51).

Como a taxa de utilização da ADSE vai aumentando com a idade e o número de utentes está a envelhecer, haverá um aumento da procura dos cuidados de saúde e isso implicará “maiores custos por beneficiário”. É desse envelhecimento continuado que fala o Tribunal de Contas e é esse problema que “põe em causa a sustentabilidade da ADSE e evidencia as limitações do princípio da solidariedade contributiva entre os seus beneficiários”.

Além de fazer o diagnóstico e trazer recomendações, o relatório do Tribunal de Contas traça um cenário sobre o que é hoje a ADSE. Em apenas quatro anos, o sistema perdeu 96,6 mil beneficiários: eram 1,36 milhões em 2013 e passaram a ser 1,27 milhões em 2017. A maioria dos quotizados (os que mais contribuem para o sistema) são os cidadãos das faixas etárias até aos 60 anos. E há duas tendências: o número de beneficiários entre os 30 e os 40 anos caiu 42%, ao mesmo tempo em que o número de beneficiários mais velhos, dos 60 aos 90 anos, aumentou 8%. Cresceu a faixa etária que concentra “os beneficiários aposentados” e é nestes escalões que os encargos mais crescem (em 2017, totalizaram 296,9 milhões de euros).

Se em 2013 o custo médio por cada beneficiário estava nos 303 euros, bastaram quatro anos para esse valor ascender aos 414 euros, chegando a atingir os 880 euros nalguns escalões etários mais altos. Os custos cresceram 50% entre os utentes dos 70 aos 80 anos, tanto por haver mais pessoas neste patamar como pelo facto de os cidadãos recorrerem mais à ADSE nesta idade, porque é aos 70 anos de idade que se dá o pico de utilização (com 86% dos quotizados a recorrem ao sistema).

Até aos 68 anos, os descontos que cada pessoa faz são superiores aos encargos que a ADSE tem com cada agregado familiar, mas a partir dos 69 anos aquilo que cada um desconta já é, em média, inferior aos benefícios que retira do sistema de saúde.

De excedente a défice

Para o Tribunal de Contas, “nada se fez para contrariar” a tendência de envelhecimento. É preciso rejuvenescer a base da pirâmide para levar mais jovens a contribuírem e para reforçar o número de contribuintes líquidos, cobrar dívidas do Estado e das regiões autónomas, racionalizar a despesa, mas a ADSE não tem “um plano quantificado de longo prazo” que junte medidas dos dois lados da balança.

A ADSE tem excedentes e, para já, os valores acumulados (e depositados no IGCP) permitem cobrir as despesas, mas, antevê o TdC, haverá um défice “já a partir de 2020”, se nada for feito para o contrariar. E, nesse cenário, os 535 milhões de euros acumulados até 2019 vão esgotar-se dentro de sete anos, em 2026, altura a partir da qual a ADSE terá de “recorrer a outras fontes de financiamento”.

Em relação ao alargamento da base de quotizados, o tribunal acredita que mesmo mais 100 mil novos titulares, com os respectivos familiares, “não alteraria de forma relevante as perspectivas de sustentabilidade” da ADSE, ainda que pudesse ajudar nos resultados. Mesmo nesse cenário, mantinham-se as previsões em relação ao défice em 2020 e ao fim dos excedentes em 2026.

A gestão da ADSE já tem nas mãos um estudo sobre o alargamento do universo de beneficiários e existem mais dois estudos sobre o mesmo assunto (um dos quais desenvolvido pelo Conselho Geral e de Supervisão da ADSE), mas, para já, o Governo ainda não pôs em prática as propostas para revitalizar a ADSE. E nada tendo sido feito, diz o TdC, o instituto público já perdeu 53 milhões de euros nos últimos dois anos. Citando as estimativas da própria ADSE, o Tribunal de Contas conclui que esse alargamento, se já tivesse acontecido, teria tido “impactos orçamentais positivos” na ordem dos 11 milhões de euros em 2017 e de 42 milhões em 2018.

Neste contexto, a entidade liderada por Vítor Caldeira recomenda que “as propostas de alargamento da base de quotizados da ADSE se baseiem em critérios de risco, por forma a que o processo conduza ao aumento significativo dos contribuintes líquidos, contribuindo para a viabilização da ADSE”.

O Governo, continua o tribunal, concentrou-se numa das duas propostas adicionais — a do Conselho Geral e de Supervisão — mas “sem qualquer estudo de sustentabilidade e sem qualquer parecer do conselho directivo que demonstrasse ser esta a melhor entre as opções de alargamento a considerar”.

A proposta que o conselho directivo da ADSE apresentou ao Governo prevê, por exemplo, a reintrodução de “uma contribuição da entidade empregadora, calculada sobre o salário base de cada novo trabalhador inscrito” a somar à contribuição de 3,5% paga pelos funcionários públicos — o que, diz o Tribunal de Contas, significaria a financiar a ADSE “através dos impostos pagos pela generalidade dos cidadãos portugueses”. O TdC chamou o Ministério das Finanças a exercer o contraditório em relação a esse estudo, mas a resposta foi “omissa quanto às propostas de alargamento que aguardam decisão”.

Reembolsos mais lentos

O sistema de saúde da ADSE assenta nos descontos realizados pelos funcionários públicos e aposentados nos seus salários ou pensões, havendo dois regimes: quando um beneficiário vai a um médico ou a uma clínica que tem acordo com a ADSE, paga uma parte e o restante valor é facturado pelo prestador à ADSE (regime convencionado); se um médico não tem acordo com a ADSE, o utente paga directamente todo o valor e, depois, é reembolsado total ou parcialmente pela ADSE (regime livre).

Do lado da despesa, o tribunal recomenda ao instituto público que racionalize os gastos com medidas “devidamente quantificadas e suportadas em estudos (custo-benefício), o que actualmente não ocorre”.

A renegociação das tabelas de preços para os prestadores com os quais a ADSE tem convenção tem sido trabalhada pela ADSE e pelo Governo de António Costa, e foi, de resto, um dos pontos de fricção que levaram alguns prestadores de cuidados de saúde privados a ameaçarem romper os acordos (acabando entretanto por recuar).

Outro problema identificado pelo TdC tem que ver com os atrasos nos reembolsos aos prestadores convencionados. O prazo médio dos pagamentos “aumentou de 129 para 161 dias entre 2014 e 2016, tendo diminuído para 154 dias em 2017”. No regime livre, em que os cidadãos pagam directamente às clínicas ou médicos sem convenção com a ADSE e são depois reembolsados, o tempo médio dos reembolsos aos utentes “passou de uma média de 26 dias em 2015, para 49 dias em 2016 e 40 dias em 2017”.

Os aposentados com rendimentos mais baixos estão isentos do desconto, mas também aqui o TdC diz que o modelo desta medida está a penalizar a ADSE. Esta opção foi desenhada quando o sistema era “maioritariamente financiada pelo Estado”, só que, entretanto, esta medida tem sido mantida “sem que o Estado a financie”. Em 2017 havia 52,9 mil pessoas isentas, valendo 14% dos aposentados.

Pedro Crisóstomo - 30 de Outubro de 2019, Público