Provedora acusa Estado de enriquecimento ilegítimo com pensões

É a conclusão de Maria Lúcia Amaral no balanço anual, onde revelou aumentos das queixas à Segurança Social e criticou a falta de respostas do ministro Vieira da Silva

A Provedora de Justiça não tem dúvidas: o atraso na atribuição das pensões está a levar a um enriquecimento ilegítimo do Estado. 

Isso mesmo está escrito com todas as letras no relatório anual, assinado por Maria Lúcia Amaral, e entregue esta quinta-feira, 30 de maio, no Parlamento: com as demoras na atribuição de pensões (um tema que foi alvo de 923 queixas apresentadas na Provedoria no ano passado), quando estas chegam (depois de meses de espera, inúmeras vezes sem qualquer rendimento ou com o pagamento de magros subsídios) é cobrado aos novos pensionistas o IRS na totalidade, incluindo os montantes retroativos. "Não obstante serem rendimentos de anos passados, acabam por ser tributados como rendimentos do ano em que as pensões são postas a pagamento." E têm-se verificado, consistentemente, subidas de escalão. 

"O Estado paga tarde, sem juros e ainda por cima, mercê do seu próprio atraso, tem um ganho injusto em sede de IRS, prejudicando ainda mais os pensionistas. Na prática, o Estado acaba por pagar-lhes menos do que efetivamente deveria, beneficiando assim de um enriquecimento que não pode deixar de ser considerado ilegítimo", lê-se no documento. É uma situação que se "reveste de alguma perversidade":

Maria Lúcia Amaral insiste: "O mesmo Estado, porém, é implacável na cobrança de contribuições (muitas vezes indevidas) e impostos, aplicando juros e coimas, exigindo muito mais dos cidadãos do que de si próprio, o que compromete o princípio da boa-fé."

Volume de queixas subiu

Os números confirmam os avisos feitos há muito pela Provedora de Justiça: este organismo recebeu no ano passado 2.854 queixas relativas à Segurança Social, o que representa um aumento de 39% quando comparado com 2017.

Na sua maioria, as queixas estão relacionadas com problemas no pagamento das prestações sociais (88%), e que incluem muitos relatos de atrasos do Centro Nacional de Pensões (CNP) na apreciação e decisão dos requerimentos (923). Doze por cento referem-se a outros problemas ou dívidas. 

Neste relatório anual, Maria Lúcia Amaral, é dura nos adjetivos: "Nas centenas de queixas dirigidas à Provedora de Justiça os cidadãos manifestam o prejuízo, o desespero e a angústia que estes atrasos comportam para si e para os respetivos agregados familiares", escreve Maria Lúcia Amaral, acrescentando que "são apelos lancinantes de pessoas que, face a tais atrasos, se veem privadas de qualquer rendimento por tempo indeterminado" -- com uma preocupação acrescida para os desempregados de longa duração -- "ou obrigadas a continuar a trabalhar para além da idade legal da reforma ou a auferir pensões provisórias mínimas por longos períodos".

E a lista continua (e inclui os casos divulgados pela SÁBADO numa investigação de abril): também os emigrantes "não conseguem receber as respetivas pensões nos países em que residem, por falta do CNP no envio atempado dos formulários regulamentares às instituições de segurança social desses países." E mais: "pessoas a quem morreu um familiar cujo rendimento de trabalho era muitas vezes o único sustento do agregado e que se veem durante longos meses privados da prestação social compensatória da perda desse rendimento (pensão de sobrevivência), sobretudo quando estão em causa filhos menores ou filhos maiores estudantes."

Um ministério em silêncio

No relatório, a Provedora insiste na crítica direta, que já havia feito aos microfones da Antena 1 em abril, ao ministro do Trabalho, José António Vieira da Silva, e à secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim:

"Não pode deixar de ser referida a falta de colaboração (...). Relativamente ao primeiro, verifica-se que não foi dada qualquer resposta à Provedora de Justiça sobre as interpelações feitas a propósito dos atrasos do CNP na apreciação e decisão dos requerimentos das pensões, assunto sobre o qual nos deteremos mais adiante neste relatório. No caso da segunda, verifica-se que em 2018 não foram prestados quaisquer esclarecimentos complementares sobre vários assuntos pendentes."

Da SS ao fisco

A Segurança Social representou, assim, 30% das queixas recebidas por este organismo. A segunda matéria no top das queixas diz respeito às relações de emprego público (11% e 1.020 queixas), seguida da Fiscalidade (9% no total e com um número menor de relatos do que no ano anterior). Ao todo, sublinha o comunicado enviado pela Provedoria às redações nesta quinta-feira, 30, estas três matérias representam 50% das queixas apresentadas. Com valores relevantes foram também as queixas sobre direitos dos estrangeiros e assuntos penitenciários. 

O relatório revela, igualmente, que foram encerrados 2.309 procedimentos em 201.833. E em 74% deles (ou seja, em 1.710) foi possível reparar a ilegalidade ou injustiça. Vinte e três por cento (535) foram arquivados.

Sábado por Sara Capelo