Pré-reforma: 230 professores pediram acesso e nenhum teve luz verde

Em resposta a docentes, Educação está a justificar o atraso nos processos com a falta de orientações das Finanças. Ao PÚBLICO diz que pedidos estão a ser analisados e que os prazos estão a ser cumpridos.

A Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE) recebeu 230 pedidos de professores interessados em pedir a pré-reforma, mas até agora nenhum teve luz verde para avançar e nem o Ministério da Educação nem o das Finanças se comprometem com um prazo para responder a estes docentes.

A pré-reforma com suspensão da prestação de trabalho na função pública está prevista na lei desde 2009, mas só em 2019 foi regulamentada. O Decreto Regulamentar 2/2019 entrou em vigor em Fevereiro e os docentes são a carreira profissional que se mostrou mais interessada no mecanismo, algo que os números solicitados pelo PÚBLICO ao Ministério da Educação confirmam.

“Há registo de 230 pedidos de pré-reforma de docentes apresentados à Direcção-Geral de Administração Escolar (DGAE), até agora”, respondeu fonte oficial. Num universo de cerca de 50 mil docentes com mais de 50 anos (a pré-reforma só é permitida a quem tem idade igual ou superior a 55 anos), o número de pedidos é inferior a 1%, mas o Ministério da Educação alerta que pode ser mais elevado, porque é provável que haja pedidos nas escolas que ainda não chegaram à DGAE.

O PÚBLICO falou com uma das docentes que entregaram o pedido de pré-reforma em meados de Março. A dar aulas na zona de Torres Vedras, a professora tinha a expectativa de fechar o processo antes do início do próximo ano lectivo, tendo-se disponibilizado para receber uma compensação de 25% do salário (a lei estipula que pode ir de 25% a 100% da remuneração-base). Passados dois meses, tudo se revelou mais moroso do que o esperado.

No último contacto que fez com os recursos humanos da DGAE, a 13 de Maio, esta professora que pede o anonimato (mas que forneceu ao PÚBLICO todo o processo) voltou a solicitar informação sobre o andamento do pedido e sobre o prazo previsto para a sua conclusão. A resposta deixou-a preocupada: “Na sequência do solicitado no email infra, cumpre informar V. Ex.ª que aguardamos que o Ministério das Finanças emita orientações para a aplicação do normativo, pelo que não é exequível o pedido em apreço.”

Perante esta resposta, a docente enviou um novo email, desta vez dirigido também aos ministros das Finanças e da Educação, e pondera fazer uma queixa à provedora de Justiça. “Não posso aceitar que brinquem assim com os cidadãos”, indigna-se, acrescentando que equaciona pedir um licença sem vencimento para não ter de voltar à escola em Setembro.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Educação sobre a resposta dada a esta professora e se os requerimentos estão de facto pendentes à espera de indicações das Finanças e qual a previsão para a conclusão da análise dos processos. Fonte oficial respondeu que “os pedidos de pré-reforma de docentes apresentados à Direcção-Geral de Administração Escolar encontram-se, neste momento, em período de análise, estando a ser cumpridos os trâmites e prazos procedimentais previstos na lei”.

Uma lei para não aplicar?

O PÚBLICO apurou também junto do Ministério da Saúde que neste momento há apenas um pedido de pré-reforma de um médico em análise, mas também nesta área pode haver requerimentos que ainda não foram enviados à Administração Central do Sistema de Saúde.

Por outro lado, os próprios serviços parecem ter dúvidas sobre o seguimento a dar aos pedidos. Um dos casos de que o PÚBLICO tem conhecimento é precisamente o de um médico que, em meados de Fevereiro, enviou o requerimento ao conselho de administração da unidade de saúde onde trabalha a manifestar interesse em pedir a pré-reforma. Passados três meses, não recebeu qualquer resposta.

“O gabinete jurídico confirmou ter o pedido, mas não tem indicação do seguimento a dar-lhe”, referiu este médico ao PÚBLICO, depois de ter questionado o serviço dos recursos humanos sobre o andamento do seu pedido.

Os sindicatos têm sido confrontados com várias questões relacionadas com os processos de pré-reforma e “alguns casos de pessoas que entregaram o requerimento e não têm resposta”. “O que está a acontecer é que os processos ficam na gaveta. Esta foi uma daquelas medidas que se tomaram para não aplicar”, prossegue José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap).

Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum, não tem conhecimento de qualquer processo que tenha sido autorizado pelo Governo e duvida que isso venha a acontecer em breve. “Ninguém consegue aplicar aquele diploma, porque faltam critérios para chegar ao valor das compensações”, observa.

 “Interesse público”

O PÚBLICO enviou questões ao ministério liderado por Mário Centeno para perceber se os processos das pré-reformas dependem de orientações específicas das Finanças e se elas serão emitidas. Fonte oficial começou por esclarecer que “a aplicação do diploma da pré-reforma está explicitada nas FAQ disponibilizadas no site da DGAEP”. O ministério refere-se às “perguntas e respostas frequentes” publicadas no início de Abril pela Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público sobre o processo das pré-reformas, mas nenhuma fala da necessidade de orientações específicas, deixando aos serviços a liberdade para negociarem a situação da pré-reforma e a compensação a pagar, ficando depois o acordo dependente de autorização do Governo.

No mesmo esclarecimento, o Ministério das Finanças deixa claro que os pedidos serão analisados “em função do interesse público” e que não estão previstos incentivos a este mecanismo.

“O processo de pré-reforma constitui um instrumento de gestão de recursos humanos, devendo os pedidos ser apreciados em função do interesse público subjacente a cada pedido, ou tipologia de pedidos, não estando previsto no programa do Governo nenhum mecanismo de incentivo à pré-reforma”, afirma fonte oficial.

Em entrevista ao PÚBLICO, o ministro das Finanças, Mário Centeno​, já tinha avisado que, “politicamente, o país não está numa situação económica, social e orçamental em que o sinal que se queira dar é de que as pessoas se podem pré-reformar”. 

Raquel Martins - 23 de Maio de 2019, Público