Proposta do PS “aniquila direito à protecção de dados pessoais”

Crítica é da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que considera que proposta para dar livre acesso a documentos oficiais com dados pessoais não sensíveis viola a Constituição

O grupo parlamentar do PS apresentou uma proposta de alteração à Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, que facilita o acesso de qualquer cidadão a documentos de entidades públicas com dados pessoais não sensíveis de terceiros. Actualmente, uma pessoa só pode aceder a documentos da administração pública que incluam dados pessoais de outros com autorização destes ou demonstrando um “interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”. 

Se a proposta do PS for aprovada, passa a haver uma presunção que facilita o acesso a estes documentos por parte de terceiros. Esta proposta de alteração surgiu na discussão da lei que adapta o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) à realidade nacional, que entrou em vigor há quase um ano.

Para a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), chamada a dar parecer sobre as propostas de alteração do PS, esta mudança possibilita o “livre acesso” a tais documentos, violando a protecção reconhecida pelo próprio regulamento europeu e pela Constituição portuguesa. “Embora o RGPD, no artigo 86.º, reconheça a cada Estado-membro o poder de definir a compatibilização entre a transparência administrativa e o direito à protecção de dados pessoais, ele não deixa de impor uma conciliação entre aquele valor e este direito fundamental. E essa conciliação não está seguramente presente quando, por via de uma presunção legal, se aniquila o direito à protecção de dados pessoais sempre que não estejam em causa dados relativos à intimidade da vida privada” e dados particularmente sensíveis, defende a comissão. 

Morada, contactos e património

E insiste: “A presunção que aqui se pretende introduzir apaga ou nega o direito à protecção dos dados pessoais quando em causa esteja o acesso por quaisquer terceiros a documentos administrativos com dados pessoais tais como a morada ou dados de contacto dos cidadãos, bem como informação relativa ao património de qualquer cidadão, ou ainda os horários laborais, remuneração e justificação de faltas que não envolva informação sobre saúde.” 

A presunção exclui os documentos oficiais com dados pessoais que revelem “a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, os dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa”. 

Apesar da insistência do PÚBLICO, que tentou várias vezes contactar com os deputados socialistas Pedro Delgado Alves e Filipe Neto Brandão, os que mais têm acompanhado estes temas, não foi possível perceber o que motivou esta proposta do PS, nem como o partido reage às críticas da CNPD.

O deputado bloquista, José Manuel Pureza, explica que esta proposta ainda vai ser analisada nos próximos dias no seio do grupo de trabalho que está a avaliar a adaptação do RGPD, não fazendo, por isso, comentários à proposta do PS. Na mesma, será igualmente discutida a alteração da orgânica da CNPD, que foi alvo de uma proposta dos socialistas que foi chumbada pelo plenário há cerca de um ano.

Só o PS apresentou proposta

Apesar de PSD, PCP e Os Verdes terem rejeitado a proposta socialista e de o Bloco, o CDS e o PAN se terem abstido, nenhum deles apresentou projectos para mudar a estrutura da comissão nacional. Com a entrada em vigor do regulamento, a CNPD passa a centrar a sua actividade na fiscalização das regras de protecção de dados em vez de fazer um controlo prévio, como acontecia até Maio de 2018.

Foi o PS o único a apresentar uma nova proposta que consagra a autonomia financeira da comissão, uma reivindicação antiga daquele organismo independente. No parecer, assinado pela presidente da CNPD, Filipa Calvão, esta mostra satisfação com a novidade, apontando, no entanto, a necessidade de integrar na composição do organismo um fiscal único, que ficou esquecido. Defende que, como entidade independente, a CNPD não deve ficar sujeita a autorização ministerial para realizar despesas, sugerindo que o controlo prévio da legalidade financeira fique a cargo do presidente da Assembleia da República.

No parecer, Filipa Calvão aproveita para sublinhar a importância de uma “actualização” do regime remuneratório dos membros, notando que, das entidades independentes que funcionam junto do Parlamento, a CNPD “parece ser a única em que o presidente e os vogais têm uma remuneração tão baixa”. Realça igualmente que, apesar de a presidente da comissão receber o mesmo que um director-geral, tem a mesma responsabilidade financeira do ministro e uma capacidade para aplicar multas que podem chegar aos 20 milhões de euros.

Mariana Oliveira 7 de Maio de 2019, Público