Trabalham menos? Reformam-se mais cedo? Seis mitos (ou talvez não) sobre a função pública

Dos horáios semanais aos dias de férias, uma análise ao que une e distingue a função pública do sector privado.

Os funcionários públicos têm emprego para a vida?

A estabilidade laboral é uma realidade para a grande maioria dos trabalhadores em funções públicas. Cerca de 84% dos 741.288 funcionários públicos têm contrato por tempo indeterminado com o Estado ou vínculo de nomeação e só podem ser despedidos ou demitidos em situações muito graves.

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas faz uma lista de infracções que podem levar à demissão (caso o trabalhador seja nomeado) ou despedimento (se for contratado) por motivo disciplinar. Trata-se de situações que tornem inviável a manutenção da relação de emprego público e podem estar relacionadas com o desvio de dinheiros públicos, faltas injustificadas ou divulgação de informação confidencial, por exemplo.

Se para a maioria trabalhar na Administração Pública é sinónimo de um emprego estável, o Estado também tem trabalhadores com vínculos precários e uma parte do aumento dos postos de trabalho nos últimos anos tem sido feita à custa de contratos a prazo (que, no final do primeiro trimestre, totalizavam 94.730).

A existência de vínculos não permanentes no sector público levou mesmo o Governo a lançar, em 2017, um programa de regularização extraordinária de precários (o PREVPAP) que permitiu dar um contrato permanente a mais de 20 mil trabalhadores de organismos e empresas públicas, que estavam a recibos verdes, contratos a prazo ou a estagiar.

Trabalham menos horas do que no sector privado?

No sector público, o período normal de trabalho é de 35 horas por semana (sete horas por dia), enquanto no privado a lei prevê 40 horas semanais (oito horas diárias).

Contudo, esta diferença não se verifica em todos os sectores de actividade, uma vez que os contratos colectivos podem estabelecer tempos de trabalho inferiores a 40 horas. Olhando para as convenções publicadas em 2020, a maior parte adopta a duração máxima de 40 horas, coincidindo com o limite previsto no Código do Trabalho, enquanto 30% fixa um período normal de trabalho de 35 horas (sobretudo nos sectores da banca, seguros e educação) ou entre 37 e 39 horas.

Conclusão: é verdade que os funcionários públicos trabalham menos horas por semana, mas também no privado há sectores onde o período normal de trabalho é inferior às 40 horas.

3,5% Percentagem mensal do rendimento base  - VENCIMENTO ILÍQUIDO -que os trabalhadores e aposentados da função pública descontam para financiar a ADSE

Têm mais dias de férias?

Os trabalhadores do sector público têm, à semelhança dos trabalhadores do privado, 22 dias úteis de férias por ano.

No sector público, à medida que o tempo passa, este período vai aumentando até ao máximo de quatro dias. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas prevê que, por cada dez anos de serviço, acresce um dia de férias, ou seja, um funcionário público com 40 anos de serviço terá mais quatro dias de férias, totalizando 26 dias anuais.

Além disso, a duração do período de férias pode ser aumentada no quadro de sistemas de recompensa do desempenho previstos na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

22 O número de dias de férias previstos por lei no sector público e no privado (no Estado, os trabalhadores têm mais um dia de férias por cada dez anos de serviço)

As convenções colectivas celebradas no sector privado também podem prever mais dias de férias, além dos 22 previstos na lei. De acordo com um relatório publicado pelo Centro de Relações Laborais, algumas das convenções publicadas em 2020 consagram um período anual de férias superior ao mínimo legal, oscilando entre os 23, 24 ou 25 dias úteis. Em alguns casos, estes limites são majorados em função da idade ou do tempo de serviço, podendo chegar aos 30 dias de férias por ano.

Têm um sistema de saúde melhor?

Os funcionários públicos beneficiam do Serviço Nacional de Saúde e, além disso, têm um subsistema de saúde próprio, financiado com os seus descontos, que lhes permite recorrer a hospitais e clínicas privadas que têm convenção com a ADSE (ou escolher o médico e receber parte do valor gasto).

A Assistência na Doença dos Servidores Civis do Estado foi criada em 1963 para “colmatar a situação desfavorável em que se encontravam os funcionários públicos em relação aos trabalhadores das empresas privadas”. Com a instituição do SNS, o Estado optou por manter o subsistema.

Quando foi criada, a ADSE era alimentada exclusivamente pelo Orçamento do Estado e, mais tarde, passou a ser financiada pelos beneficiários e pelas entidades empregadoras. Desde 2015, os serviços deixaram de pagar para a ADSE e o sistema é alimentado pela quota mensal de 3,5% que os trabalhadores e aposentados pagam (e que permite que os familiares também usufruam do sistema).

A inscrição na ADSE é opcional e o sistema é solidário.

64,5 A idade média (em anos) dos funcionários públicos que se reformaram em 2020 (no regime geral da Segurança Social era de 64,4 anos)

No sector privado, há empresas que oferecem seguro de saúde aos seus trabalhadores e algumas convenções colectivas prevêem o direito a um seguro de saúde consoante a modalidade de contrato de trabalho ou dependendo da antiguidade do trabalhador na empresa.

Reformam-se mais cedo e com reformas mais altas?

Apesar de haver carreiras com regras próprias, neste momento, a generalidade dos trabalhadores do sector público e do sector privado têm regimes de aposentação semelhantes. Para ter acesso à reforma completa, é preciso trabalhar 40 anos e ter 66 anos e 7 meses (em 2022) ou então ter atingido a idade pessoal de acesso à pensão de velhice (a idade é reduzida em 4 meses por cada ano completo de serviço além de 40 anos), com o limite mínimo de 60 anos.

As condições de acesso à reforma antecipada também são semelhantes e tanto no público como no privado está em vigor um regime para as longas carreiras contributivas.

Em 2020, a idade média dos funcionários públicos que se reformaram era de 64,5 anos, enquanto no regime geral da Segurança Social era de 64,4 anos. O que significa que, nesse ano, quem se reformou através da Caixa Geral de Aposentações (CGA) precisou de trabalhar mais do que os trabalhadores inscritos na Segurança Social, embora no passado nem sempre tenha sido assim.

A grande diferença entre o sector público e o privado reside, sobretudo, no valor das pensões de velhice, o que se deve ao facto de uma parte significativa dos trabalhadores do Estado terem licenciatura e profissões mais qualificadas (sendo que a CGA também paga as pensões de juízes e de políticos). Tomando como exemplo o ano de 2020, o valor médio das pensões pagas pela CGA era de 1341,94 euros mensais, enquanto na Segurança Social a pensão média era de 415,3 euros por mês.

A função pública é pouco flexível na organização do trabalho?

A lei prevê que os regimes de adaptabilidade e de banco de horas, previstos no Código do Trabalho, são aplicáveis aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e aos trabalhadores nomeados.

Além disso, os órgãos ou serviços podem adoptar, em função da natureza da actividade, uma ou mais modalidades de horário. É o caso do horário flexível (em que se permite uma gestão flexível dos tempos de trabalho, nomeadamente a escolha das horas de entrada e de saída) ou desfasado, o trabalho por turnos e a meia jornada (em que o período de trabalho é reduzido em metade).

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas prevê também a figura da mobilidade, apresentada como um instrumento transitório para fazer face, de forma flexível e ágil, às necessidades dos serviços e permitir um melhor ajustamento dos recursos humanos da Administração Pública.

É possível haver mobilidade dentro do mesmo órgão ou serviço ou entre órgãos ou serviços diferentes. Em alguns casos, é necessário o acordo do serviço de origem e de destino mediante aceitação do trabalhador, noutras situações não é necessária aceitação por parte do trabalhador.

Têm sido criados programas de incentivo à mobilidade em áreas específicas, como o caso dos médicos, mas o sucesso destas medidas tem sido reduzido, ainda que estejam previstos apoios pecuniários (40% da remuneração-base correspondente à primeira posição remuneratória da categoria de assistente, da carreira especial médica ou da carreira médica) e não pecuniários. O programa de incentivo à mobilidade para o interior, lançado em 2019, também teve um impacto marginal, pois apenas dez trabalhadores aderiram.