As alterações legislativas do teletrabalho

Lamentavelmente têm-se verificado violações do direito dos trabalhadores a exercer a actividade em teletrabalho, com o falso pretexto da incompatibilidade de funções, mesmo de pais com crianças menores, que reúnem os requisitos legais.

O teletrabalho é a prestação laboral realizada fora da empresa através do recurso a tecnologias de informação e comunicação. Segundo o artigo 166.º do Código do Trabalho, o teletrabalho só pode ser prestado mediante contrato celebrado entre o empregador e o trabalhador.

O teletrabalho deve ser formalizado por escrito, nomeadamente, com indicação da actividade, do período normal de trabalho, da propriedade dos instrumentos, da identificação do departamento da empresa em cuja dependência fica o trabalhador, bem como da pessoa que deverá contactar.

O trabalhador mantém os mesmos direitos dos demais trabalhadores, continuando sujeito à mesma duração do trabalho. Em qualquer caso, o empregador tem de assegurar os instrumentos de trabalho, a sua instalação e manutenção, bem como o pagamento das respectivas despesas.

Porém, na sequência da pandemia da doença covid-19, o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, republicado pelo Decreto-Lei n.º 22/2020, de 16 de Maio, que sofreu 12 alterações, veio permitir que o regime de teletrabalho pudesse ser determinado quer pelo empregador quer pelo trabalhador, sem necessidade de acordo, desde que fosse compatível com as funções em causa, durante os estados de emergência e calamidade até 31 de Maio último.

Actualmente, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020 de 29 de Maio, foi repristinado o regime geral do Código do Trabalho, cuja aplicação está dependente do acordo entre o empregador e o trabalhador, com as excepções previstas no artigo 4.º do Anexo, designadamente, dos trabalhadores, com certificação médica, imunodeprimidos, doentes crónicos, deficientes com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrentes da suspensão das actividades presenciais, lectivas e não lectivas, em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência.

Cumpre relevar que o trabalhador com filho até 3 anos e as vítimas de violência doméstica que apresentem queixa-crime e tenham saído de casa, mantêm o direito ao teletrabalho, obviamente, se for compatível com a sua actividade e o empregador dispuser dos recursos e meios necessários, sem que este possa opor-se, conforme preceituam os nº 2 e 3, do supracitado artigo 166º do CT.

Apesar das dificuldades causadas por deficientes condições de trabalho, o teletrabalho tem contribuído para a diminuição de custos de funcionamento e das deslocações, com reflexos positivos no ambiente. Simultaneamente, tem propiciado uma melhor conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar.

Porém, lamentavelmente, têm-se verificado violações do direito dos trabalhadores a exercer a actividade em teletrabalho, com o falso pretexto da incompatibilidade de funções, mesmo de pais com crianças menores, que reúnem os requisitos legais. Na dúvida, devem prevalecer os princípios de tratamento mais favorável do trabalhador e da adaptação do trabalho à pessoa, conforme doutrina e jurisprudência dominantes.

Por outro lado, nem sempre tem sido respeitada a igualdade de tratamento no tocante ao subsídio de refeição estipulado no contrato individual ou colectivo de trabalho.

Outrossim, tem sido denunciado o recurso fraudulento à suspensão dos contratos (layoff) de trabalhadores que, na realidade, laboram em teletrabalho.

É evidente que o aumento do teletrabalho tem gerado a crescente individualização das relações laborais, com consequências negativas na organização coletiva dos trabalhadores.

Pelas sobreditas razões, impõe-se reforçar a fiscalização da ACT e criminalizar as infrações para garantir o direito ao teletrabalho e à segurança e saúde dos trabalhadores e das suas famílias.

Fausto Leite OPINIÃO 15 de Junho de 2020, Público (O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico)

Advogado especialista em Direito do Trabalho