ESTUDO EUGÉNIO ROSA: Remunerações nas Administrações Públicas

O AUMENTO DA REMUNERAÇÃO BASE NAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS APÓS A REPOSIÇÃO DOS CORTES FOI APENAS DE 2,8% E VARIOU MUITO POR CATEGORIA E A SUBIDA DA DESPESA COM PESSOAL EM 2019 NÃO FOI 540 MILHÕES € COMO AFIRMA CENTENO MAS SIM 315,7 MILHÕES €”

Analiso, numa altura em que desenvolvem “negociações” entre o governo e os Sindicatos da Função Pública, utilizando dados sobre as remunerações divulgados pela Direção da Administração e do Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças em Fev-2020, a situação remuneratória dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas mostrando que o enorme poder de compra que perderem entre 2009 e 2019 (em média 17%, mas há categorias profissionais em que a perda foi muito mais elevada) não está ser invertida com o governo PS nem com as progressões nas carreiras.

E que neste contexto, a proposta de aumento de 0,3% em 2020, quando o próprio governo prevê uma taxa de inflação neste ano de 1,4%, só pode ser interpretada como falta de respeito por estes trabalhadores que são essenciais ao desenvolvimento do país e ao bem-estar dos portugueses (saúde, educação, etc.).

Finalmente, mostro, utilizando também os dados divulgados pelo Ministério das Finanças, que não se registou um aumento na despesa com pe ssoal de 540 milhões € em 2019 motivado pelas progressões nas carreiras como afirma Mário Centeno mas sim de 315,7 milhões €, ou seja, menos 41,5%. A intenção de condicionar e virar a opinião publica contra os trabalhadores da Função Pública é clara.

Os dados do quadro 1 foram publicados pela Direção Geral do Emprego e Administração Pública (DGAEP) do Ministério das Finanças em 14-2-2020, portanto são recentes. São valores médios, portanto não se referem a cada trabalhador concreto, mas é a média de cada categoria, e são nominais, portanto antes dos descontos para o IRS, CGA ou Segurança Social,ADSE e antes também de deduzir o efeito corrosivo do aumento de preços que, entre 2016/2019, foi de 2,6% segundo o INE.

A primeira conclusão importante que se tira desses dados é que o aumento da remuneração base média mensal dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas no período 2016/2019 (+2,8%), resultante das progressões nas carreiras já foi praticamente “comido” pelo aumento de preços (+2,6%). Os trabalhadores da Função Pública ainda não conseguiram recuperar a enorme perda de poder de compra que sofreram durante o período da “troika” e do governo PSD que atingiu, em média -17% (quadro 3, à frente) e as progressões nas carreiras registadas a partir da reposição total dos cortes em Out.2016 não estão a contribuir efetivamente para essa recuperação como afirma o governo.

A segunda conclusão importante que se tira dos dados divulgado pelo Ministério das Finanças constantes do quadro 1, é que os aumentos determinados pelas progressões nas carreiras foram extremamente desiguais. Em várias categorias profissionais a variação da remuneração base média até foi negativa (há mesmo uma categoria que atinge -19%) como revelam os dados do Ministério das Finanças. Tal facto deverá ter resultado da substituição de trabalhadores mais velhos, devido à aposentação, por trabalhadores mais novos a quem o Estado paga remunerações mais baixas tal como fazem os patrões privados (na Administração Pública há contratação de trabalhadores precários a empresas de trabalho temporário a quem se paga 6,7€/hora por imposição do Ministério das Finanças, um ex. ADSE)

A 3ª conclusão prende-se com os ganhos médios mensais cujo aumento, neste período, foram superiores aos verificados nas remunerações base medias mensais. Este facto deve-se estar associado em grande parte à insuficiência de recursos humanos na maior parte dos serviços públicos que põem em causa o seu funcionamento normal. Para procurar colmatar esta falta extrema de trabalhadores, muitas instituições têm recorrido a horas extraordinárias, e muitos trabalhadores aceitam para assim compensar o enorme poder de compra perdido desde 2009. Isso acontece, por ex., na ADSE. Mesmo entrando com esse recurso maciço a horas para evitar o colapso dos serviços públicos verifica-se, como mostram os dados do Ministério das Finanças constantes do quadro 1 (ver as últimas duas colunas à direita a amarelo), uma variação negativa nos ganhos médios mensais, entre 2016 e 2019 e mesmo entre 2018 e 2019, de várias categorias profissionais.

A PERDA DE PODER DE COMPRA DA FUNÇÃO PÚBLICA DESDE 2009 NÃO ESTÁ A SER INVERTIDA

A Remuneração Base Média Mensal (RBMM) antes dos descontos (antes da dedução para IRS, CGA/Segurança Social, ADSE) e de deduzir o efeito corrosivo do aumento de preços é muito diferente da Remuneração Base Média Mensal líquida, ou seja, aquela que o trabalhador recebe após terem sido feitos todos os descontos. Outra coisa diferente é a variação do poder de compra dessa remuneração o que só se obtém deduzindo o efeito corrosivo do aumento de preços. São essas contas que se vai fazer para que se possa ficar com uma ideia clara do poder de compra que perdeu a Função Pública entre 2009 e 2019 e que ainda não recuperou. E os resultados obtidos constam do quadro 2.

A conclusões que se tiram do quadro 2 que se apresenta seguidamente, e que foi construído também a partir de dados divulgados pelo Ministério das Finanças, são essencialmente as seguintes: (1) Mesmo sem entrar com as deduções resultantes do enorme aumento de IRS e da contribuição para a ADSE, e entrando apenas com a subida verificada nos preços (IPC) que foi, segundo o INE, de 11,12% entre 2009 e 2019; repetindo, só entrando com o aumento de preços conclui-se que poder de compra da remuneração média mensal nominal dos trabalhadores da Função Pública era, em 2019, inferior à de 2009 em -7,4%, variando de categoria profissional para categoria profissional atingindo em algumas delas reduções -11,5% (médicos), -13,8% (SEF) e mesmo -26,9% (investigadores científicos); (2) Se entrar em conta com o enorme aumento verificado no IRS que, em grande parte, ainda não foi eliminado, e da contribuição para ADSE, o efeito sobre o poder de compra das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas ainda foi mais devastador: em média reduziu o poder de compra, entre 2009 e 2019, em -17%, mas atingiu para determinadas categorias profissionais (as referidas anteriormente) -19,7%; -21,4% e mesmo -32,7% como revelam os dados do Mistério da Finanças.

Face às conclusões anteriores um aumento de 0,3% em 2020, como pretendia este governo, e tendo em conta que, de acordo com as próprias previsões do próprio governo, a taxa de inflação (IPC) em 2020 será de 1,4% (pág. 49 do Relatório OE 2020) só pode ser encarado como uma autêntica provocação e falta de respeito pelo trabalhadores das Administrações Públicas, essenciais para o bem-estar dos portugueses e para o desenvolvimento do país (saúde, educação, segurança social, serviços culturais, segurança pública, transportes, etc., etc.).

Na campanha de manipulação da opinião publica para virar esta contra os trabalhadores da Função Pública e os imobilizar, o governo, nomeadamente o ministro das Finanças, utiliza valores não verdadeiros.

Em 2019, segundo o ministro Centeno o “descongelamento nas carreiras e as promoções” determinaram um aumento da despesa de pessoal em 540 milhões €; e a previsão para 2020 é um novo aumento de 527 milhões € (pág. 62 do Relatório do Orçamento para 2020). No entanto a verdade é muito diferente como mostram os dados do quadro 3 que foram calculados com base na informação sobre remunerações nas Administrações Públicas divulgada pela DGEP do Ministério das Finanças (quadro 3). Parece que o próprio ministro Mário Centeno não se entende com os seus serviços.)

Na verdade, o aumento na despesa efetiva de pessoal foi, em 2019, de apenas 310,7 milhões € segundo os dados do próprio Ministério das Finanças (DGAEP) e não de 524 milhões € como afirma o ministro Mário Centeno. O mesmo tipo de previsão enferma naturalmente o valor para 2020 – 540 milhões € segundo Mário Centeno - até porque muitas progressões na careira acumuladas ao longo dos últimos anos foram feitas em 2019. Infelizmente este governo não olha a meios para alcançar aquilo que designa por “contas certas” mesmo que seja à custa da degradação das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores das Administrações Públicas que lhe deviam merecer respeito.

LINK:/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2020/7-2020-remuneracoes-administracoes-publicas.pdf?ver=2020-02-15-214459-197