Os leitores e os docentes em precariedade repudiam declarações de João Gabriel Silva

Em artigo no PÚBLICO, o ex-reitor da Universidade de Coimbra peca por fazer declarações absolutamente destruidoras de um percurso para o qual nunca quis encontrar uma solução, pelo contrário.

O artigo de opinião de João Gabriel Silva (JGS), ex-reitor da Universidade de Coimbra, publicado no PÚBLICO em 16 de setembro, deveria ter sido isso mesmo: um artigo de opinião. Quanto a isto, nada haveria a dizer, pois em democracia todos têm direito à opinião, como é óbvio.

Infelizmente, aquele texto encontra-se repleto de insultos e informações erradas sobre um conjunto de pessoas e entidades, algo que não é, de todo, aceitável e que não podia deixar de motivar uma resposta. JGS acusa os sindicatos, entre estes a Fenprof, de caucionarem o compadrio nas Universidades Públicas Portuguesas, deixando entender que a solução do Governo para os Leitores destas instituições foi a defendida pela Fenprof.

Não esqueçamos que quem é visado são não só os sindicatos, como os seus associados, mas, igualmente, todos os Leitores que, depois de décadas de trabalho no Ensino Superior, em situação de enorme precariedade, viram finalmente as suas vidas profissionais e pessoais estabilizadas, graças à luta da Fenprof, à sua resiliência e à sua capacidade negocial.

Começando pela questão principal colocada pelo ex-reitor da UC, a da passagem administrativa para a carreira da qual irão beneficiar os Leitores nas universidades portuguesas, cumpre-nos fazer um duplo esclarecimento e uma correção:

Convém, de facto, clarificar, desde já, que a solução encontrada e negociada com o Governo não corresponde à proposta da Fenprof e dos Leitores associados nos seus sindicatos. Esta consistia em defender a vinculação e consequente estabilização destes docentes na sua categoria, algo que não traria quaisquer custos. Tendo sido negada esta solução, a Fenprof mostrou, obviamente, abertura para negociar uma solução diferente, construída a partir da proposta apresentada pelo MCTES, que acabou por levar à publicação do DL 122/2019.

Por outro lado, esta integração da carreira, sugerida pelo ministério, impõe a obtenção da qualificação de referência, o doutoramento. É de lembrar a enorme injustiça que atingia estes docentes que, em 2009, aquando da revisão do ECDU, viram as possibilidades de renovação contratual extremamente reduzidas, atirando os Leitores para o desemprego, passado dez anos. Convém contextualizar que esta estabilização “extraordinária” de um grupo de docentes é tudo menos ilícita, ao contrário do que é sugerido no artigo de opinião, agora alvo de resposta, pois tanto a Diretiva Europeia 1999/70/CE como o Prevpap constituem declaradamente instrumentos de correção de injustiças laborais flagrantes que, neste como na maior parte dos casos, nunca se aplicaram. É neste contexto que o Decreto-Lei para a estabilização dos Leitores se inscreve e não pode ser visto, de modo algum, como ferramenta facilista, bem pelo contrário!

Finalmente, em relação ao suposto impedimento de contratação de jovens por causa deste procedimento, trata-se de uma afirmação errada imbuída, atrevo-me a dizer, de alguma má-fé. Não só esta alusão deixa entender que os Leitores estão há décadas nas instituições, mas não merecem permanecer, apesar de as suas universidades terem sempre renovado contrato (lembramos que os contratos são renovados anualmente, sem qualquer obrigação por parte da instituição!), como o argumento segundo o qual deixa de haver espaço para mais contratações é errado. Com efeito, perante a situação de claro envelhecimento do corpo docente universitário, bem sabemos que terá de haver substituição rápida das gerações que em breve irão para a reforma. Há, por isso, espaço para todos e de nada adianta estarmos a colocar colegas contra outros colegas de trabalho, pois esse, sim, é um dos males que afeta a Academia. O que deixa de haver é espaço para o abuso.

João Gabriel Silva peca por fazer declarações absolutamente destruidoras de um percurso para o qual nunca quis encontrar uma solução, pelo contrário. Não só em relação aos Leitores, como em relação aos assistentes e outros docentes especialmente contratados, muitos deles satisfazendo necessidades permanentes, a Universidade de Coimbra, quando João Gabriel Silva era reitor, optou por introduzir uma variável não aplicada noutras instituições de ensino superior – os docentes nesta situação, após quatro anos sucessivos de contrato a termo resolutivo, passaram a ser pura e simplesmente despedidos. Esta situação já foi abordada com a atual reitoria e poderá ser objeto, brevemente, de discussão, com vista à correção desta injustiça.

Cláudia Ferreira – Opinião - 20 de Setembro de 2019, Público

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Leitora na Universidade de Aveiro; dirigente do SPRC e da Fenprof